ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o escritor Franklin Valverde

 

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Suas narrativas, para mim, ficam entre o conto e a crônica. Como foi hibridizar esses dois estilos de textos curtos? E mais, sua escrita tem uma verve afiada quanto aos relacionamentos sócio-afetivos, ou o olhar sobre aspectos culturais. Como foi pensar na linguagem para esses temas nos quais os gêneros parecem que entraram dentro de alguma cartilha de bons antecedentes?

Franklin Valverde: Se pensarmos na divisão clássica dos gêneros literários, os textos de Babylonia Blues – relatos delirantes (Patuá) podem ser considerados como contos; porém alguns se colocam entre o conto a crônica. Prefiro chamá-los de relatos que, na maioria das vezes, seguem pelo caminho do delírio, seja pela temática ou pela sua própria construção.
Sobre a “verve afiada quanto aos relacionamentos sócio-afetivos” digo que procurei fazer um retrato ou, melhor, uma radiografia sobre a sociedade na qual estamos vivendo, nos seus mais variados aspectos, expondo e – em alguns momentos – deixando a nu todas as suas contradições. É verdade que muitas vezes são mostradas com certa crueza, podendo até chocar a alguns, mas é através desse recurso que o narrador lança um olhar crítico sobre o caos nessa Babilônia em que se transformou a nossa sociedade. Já no que se refere à linguagem relacionada com os gêneros, a mescla entre o formato da crônica e o do conto dialoga com a minha prática em escrever caminhando pela experimentação artística. Nesse sentido, dentro da minha produção literária, seja como poeta ou escritor, a vertente concretista, que se caracteriza por questionar sempre os formatos mais tradicionais, influencia toda a minha produção, assim como meu pensamento literário.

 

O humor ferino em crônica não é tão percebido em textos atuais. A sátira ou a paródia são os terrenos deles. Por que adotou esta linguagem para descrever as relações entre homens e mulheres?

Franklin Valverde: Acredito, modestamente, que as atitudes satíricas e – por vezes – paródicas estão presentes na maioria dos textos de Babylonia Blues, são só na descrição das relações entre homens e mulheres. Não é fácil encontrar no livro textos, digamos assim, reconfortantes ou que atuem de forma anestésica para o que encontramos nestes tempos em que, infelizmente, engatamos a marcha a ré e estamos voltando a um passado que deveria estar sepultado nos livros de História. Em Babylonia Blues vamos encontrar personagens que vivem ou se comportam como se estivessem no século passado, porém muitos deles não são somente produtos de ficção, mas retratos de indivíduos que ainda não desembarcaram no século 21. Dentro desse cenário, a sátira e a paródia têm uma força tremenda no que se refere a desnudar situações conflituosas, situações de depressão, situações de pressão, situações de exploração e todas aquelas formas negativas de relacionamento, que atualmente são denominadas como tóxicas.

 

A sua escrita me parece como um genial álbum de rock, há uma liberdade por trás do olhar ferino que lembra os melhores letristas do Rock nacional, que viam os costumes e a cultura de uma época sempre por uma grande angular. Fale um pouco sobre isso.

Franklin Valverde: A adoção dessa linguagem que se aproxima, em alguns momentos, das letras do rock nacional, deu-se de uma forma natural. Pertenço à mesma geração dos grandes roqueiros brasileiros do Paralamas, Titãs, RPM, Barão Vermelho, Legião Urbana, Camisa de Vênus, Capital Inicial e tantas outras bandas que marcaram e marcam o cenário musical brasileiro. Somos filhos da abertura política dos anos 80, época em que experimentamos a liberdade e optamos por todas – ou quase todas – formas de expressão de liberdade e contra qualquer censura. De fato, esse espírito pode ser encontrado em Babylonia Blues, pois procurei escrever esses relatos sem censura, sem amarras, em plena liberdade delirante, usando isso como um recurso, como disse anteriormente, para desnudar as contradições desta sociedade em que estamos vivendo atualmente, mesmo que possa parecer “exagerado”, como cantava Cazuza em uma de suas canções.

 

O tesão, o prazer, podem ter algo de delirante? Quando desejamos tendemos ao vórtice do corpo onde as tensões e pulsões são sempre distendidas ao máximo dos fluxos. Como mediar isto através de uma cultura repressora?

Franklin Valverde: Sim, sem dúvida, o delírio, ou a fantasia, alimentam o tesão e o prazer.
Esse delírio pode ser transportado para outros setores da vida, às vezes sem prazer ou tesão…
Se você abre um jornal ou uma revista, navega pela internet, ouve o noticiário no rádio ou o assiste pela televisão, você vê que a realidade é um delírio, que é impossível que aconteça ou esteja acontecendo tanta barbaridade e tantas atitudes repressoras. Mas está sim, por mais que não queiramos crer. O que Babylonia Blues procura fazer é retratar esse delírio de uma forma potencializada. Discutir a repressão, demonstrar que está havendo um retrocesso e denunciar a intolerância são atitudes necessárias e vitais para a sobrevivência de uma sociedade democrática.

 

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