ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o músico e escritor Mariano Marovatto

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FERNANDO – O nome dado a faixa de entremares abarcando terra e mar tem som e ritmo de um belo personagem. Italo calvino nomeou Palomar; seu personagem que descobre o entorno filosoficamente, tirado de um nome de um observatório. Esta bela relação de lugar entre horizontes¥fronteiras. Como foi pensar esta relação de olhar entre dois estados¥espaços.

MARIANO – Se não me engano, o nome Estirâncio li no livro O Território do Vazio, de Alain Corbin, cujo subtítulo explica muito bem o conteúdo todo do livro: “A praia e o imaginário ocidental”. Li detidamente na época em que meu disco Praia ficou pronto, por motivos óbvios. Folheando agora novamente o livro, encontro anotações do capítulo sobre “o alivío da ansiedades e dos desejos” proporcionados pelos banhos de mar, indicados por médicos e higienistas da costa mediterrânea francesa do século XVIII. Aliás, era também uma prática inca levar os “doentes da cabeça” para as cidades do império situadas na beira do Pacífico. Relatos dizem que os pacientes andinos de fato relaxavam diante do mar. Tanto o discurso musical do Praia quanto do discurso poético de Estirâncio partem dessa premissa: angústias dispostas na areia da praia. Em nenhum momento tentando “varrer a areia da praia”, como diz aquela canção dos Titãs, essas duas obras discursam sobre essa experiência, muito mais do que propor uma cura. Poesia não é cura. É talvez esse diálogo de plenitude impossível. “O estirâncio é receptível e impraticável”, digo algures no livro. Então se há uma relação entre estados e espaços, seria talvez essa, isso é: partindo do meu processo pessoal de escrita, né? E outra coisa: não é a primeira pessoa que faz uma relação entre o Estirâncio e uma obra do Calvino.
Eu li muito pouco Calvino, e o li somente durante a graduação na Faculdade de Letras. Deveria retomar a leitura.

 

FERNANDO –  O sentido da palavra estirâncio nunca se fecha em significado nuclear, e há uma linda beleza estética em deixar quase como um voo de imaginação para o leitor potencializar efeitos que são signos mas também forças estéticas. Fale disso.

MARIANO –  É uma palavra estranha para um lugar muito comum. Em algum momento pensei em deixar no livro a definição de “estirâncio”. Mas decidi que não. Ao mesmo tempo não é uma palavra impossível, joyceana, que trata o leitor como um ser dotado de qualidades inferiores ao autor (o que abomino, seria de péssimo gosto). Estirâncio é quase um nome próprio. Esse desenho da capa, aliás, foi escolhido justamente por parecer uma silhueta de um ser estranho, uma estátua etrusca, de nanquim, do Giacometti, feita de recifes.

 

FERNANDO – Há um forte pendor para os ensaios, quase como se você desdobrasse a fiçção em enredos reflexivos. Como você pensou a ideia do livro? Como foi chegar ao estirâncio?

MARIANO – O livro, muito mais do que feito de poemas, procura entender, talvez cerebralizar, o habitat da criação poética. Acho justa essa leitura. Penso que o Estirâncio é um poema longo, que é uma narrativa, e os textos da segunda parte são como que poéticas, mas em forma de poema.
É um livro quase sem versos. É um livro que pensa o poema de fora da estrutura do poema, que procura se desvencilhar do poema para falar sobre poesia. Mas ainda assim é um livro que fica na estante de poesia, que guarda, em certos momentos de forma bastante irônica, os traços do mistério que atribuem à poesia, mas que no fim das contas expõe apenas o falhanço dessa tradução do mistério em palavras.

 

FERNANDO – Este parece ser um livro onde a primeira escrita não se forma. Houve revisões de escrita para chegar à este formato?

MARIANO –  Foi um livro bastante revisto, sim, como nenhum outro. Muito pelo caráter ensaístico dos textos. Lutei para que não sobrassem pontas que não fossem as propositais. “O Estirâncio” é um texto de 2016, visto e revisto nos últimos três anos, lido por muitos poetas queridos ao longo desse tempo, por exemplo.

 

FERNANDO – A praia com sua entremarés parece ser um lugar entre¥tempos, onde a relação do homem com seu destino ou ação rotineira (dele) parece ali ter outra causa, ou efeito. Quando não distinguimos certas fronteiras, (onde pisamos) podemos falar ou fazer o quê do tempo?

MARIANO – Acertadíssimo! Voltando à primeira questão, essa coisa imortal, indomável que é a praia, diante das aflições cotidianas dos humanos é talvez o primeiro grande choque, a grande quebra, quando chegamos na beira do mar. É quase como estar à beira do espaço sideral. Pelo menos para mim é igualmente fora do alcance humano atravessar um mar ou atravessar o espaço.

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