Prefácio do livro Espiral por Gisela Casimiro

 

O imutável, o impróprio, o imperfeito e a improbabilidade entram num poema… O título do livro de Irma Estopiñà, Espiral, remete-me de imediato para Spiralling, de Antony and the Johnsons, um lamento musicado que debate a possibilidade e o poder de morrer, a incapacidade de levantar-se, um coração partido e congelado permanentemente nesse estado. Parece que, ao longo da leitura, nos acompanham as perguntas “Where go? Where now?” da canção, que lamenta sem se fragilizar “I am undone / I’m spiralling / In my cruel love gold poisoned / I was born, born / Not a girl and not a jewel / I am some son”. Qual o destino de uma forma infinita, que encontramos tão frequentemente materializada na Natureza, mas que para o ser humano é um estado mental e emocional, igual e aparentemente sem forma, no entanto pejada de simbolismo e fertilidade? A autora fala-nos de algo que nunca termina tendo já terminado de vez. A evolução é a única solução possível para uma espiral, símbolo da viagem da alma, após a morte, para a sua essência eterna. Encontramos permanência e prolongamento em simultâneo, e o desvio não existe sem ordem na essência do ser.

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Espiral de Irma Estopiñà

A clausura de sentir terá talvez moldado tal espiral por dentro no ser humano, enquanto os demais seres nem dela se aperceberão, abençoados que são, sem espelhos próprios nem alheios, afinal não possuem, como Irma, duas formas de olhar, mesmo se olhos imaculados podem vender-se. A sua dupla geografia e expressão bilingue será uma prova do como estes poemas não poderiam mais ser contidos, limitados por quem os viveu. Se a autora começa por afirmar Nego as palavras perante a minha boa memória, a verdade é que Pensar é a minha sombra a crescer, e esse crescimento demonstra a maturidade que conclui: Enalteço agora mais do que nunca a importância da linguagem. Nem tudo é silêncio profundo e oco ou monólogo interior. Tu, ser invisível,tanto poderia ser a autora como uma qualquer outra presença, presença essa que só deve, talvez, ser tocada com pestanas ou as asas de uma borboleta. O abismo abre o livro mas também a consciência relacional, pois O que eu ganhei já o perdemos.
É preciso cair, é impossível não cair, Há quem salte e morra / Há quem salte e provoque a morte. Cair será talvez morrer ou deixar de amar mas Quando acordei da minha queda, ainda assim a autora nunca perdeu a consciência de si, do outro, do processo. Desassossego, provocação e confissões povoam o poema, a praia e o verbo partir. Em Espiral, Chegamos e vamos embora no tempo certo, mas não sem antes sacudir os pés, e Não dizer nada ao outro pela simples insatisfação de o deixar ir embora sem saber o mínimo do eu. A cauterização das feridas é deixada a cargo da Natureza. Tudo o resto, à mulher e à sombra dela.

Gisela Casimiro, escritora e artista portuguesa

 

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