Do livro Espiral (Ed. Urutau)
Abismo. Fio de uma agulha onde nos debruçamos sem aguilhoar-nos. Vislumbre do abismo que propicia o que precede à dor. Ou sentir o sofrimento sem formar parte dele.
Abismo é onde caímos sem nos deixar cair. Aquilo que o olho persente no seu olhar de vazio abissal.
Submetido ao abismo, compreendendo sem reconhecer-se. Agora sabe-o, porque nunca lho tinham dito antes. Ali mesmo, no fio do abismo por tudo aquilo que importa, por nada em concreto. Sentindo a morte na vida, a vida na morte: abismo.
Não. Abismar-se é um verbo construtivo. Abisma-se e expira-se no vazio para voltar a ser alguém em terra firme e lançar um suspiro em forma de prólogo.
a imagem que permanece
o autocarro habitual arrasta um eco malsonante
tudo permanece imóvel
nem silhuetas voláteis
nem passos
nem bafos
nem…
dentro do refúgio
a fugir da pesada calçada esperada
pelas cerveza-beers
toco o líquido que percorre
a garganta seca
toco a pele azul desgastada
esmero a concavidade ocular no vidro frágil
com uma colher
a minha indiferença não mente
um sopro de térmitas come o que dizemos
e a nossa apaixonada fricção não sobrevive
nego as palavras perante a minha boa memória
conversas
em horas
tardias
da madrugada
o tremer
do acaso
o fumo
da vitória
imóvel, nem silhuetas voláteis
nem passos, nem bafos…
só as nossas bocas
e um silêncio profundo
***
Acredita nisto: identidade aparente
morrer de solidão intrínseca
E agora alarga-o:
identidade
deslocação do interior
ou parecido:
a companhia de um pássaro ígneo
Irma Estopiñà nasceu em 1989, em Barcelona mas atualmente mora em Lisboa. É licenciada em psicologia pela Universitat Autónoma de Barcelona e pós-graduada em sociologia pela Universidade Nova de Lisboa.
A sua poesia versa sobre a existência, a mulher, o amor, a identidade e a desconstrução y reconstrução das palavras e dos seus sentidos. Em 2011 ganhou o prémio “Picasso en lletra” do Museu Picasso de Barcelona, na categoria microconto.
Realizou alguns projetos poéticos junto com amigos fotógrafos e artistas, como a exposição e recital “Punto de Mira”, em 2014.
Apresentou livros em Lisboa e atualmente forma parte da organização a “Juntas – Tertúlia Feminista”. Este é o seu primeiro livro de poesia editado bilingue, em português e espanhol, pela editora Urutau.
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