1
a cabeça inventa mil ideias
para um poema que não consigo escrever:
a caneta falha, o papel amassa
as musas se distraem
com um programa na TV
sonho versos em technicolor
penso em Freud e Mallarmé
sol com chuva lá fora
& você cantarolando Roadhouse Blue
a 130 decibéis
no banheiro
2
convivo com o poema
desde o toque do despertador
o lavar do rosto na água fria
o meu olhar embaçado no espelho
o estranhamento matinal
convivo com o poema
desde a primeira garfada
o descascar das cebolas
o choro sem motivo
as manchas no fundo do prato
convivo com o poema
desde o morder da maçã
o escovar dos dentes
a cabeceira de mil livros
a chave perdida entre o lençol
3
há sempre algo por vir
depois de um poema:
sete copos d’água
o poema contínuo
o silêncio empoado de memória
uma constelação de sentidos
o princípio da criação
a solidão essencial
a impossível luz do esquecimento
o hiato inapagável da leitura
há sempre algo por vir
depois de um poema:
uma ferida que se abre
uma noite que se apaga
o sangue bombeando as palavras
a estrondosa paciência
o fôlego da salvação
mulheres aves estrelas
o afeto:
um motor infinito
*Extraído do livro Corpo dos Afetos, Crivo Editorial, 2015.
Hugo Lima é poeta, performer e educador. Possui trabalhos publicados em diversos projetos culturais. É autor dos livros Nus, Florais & Ping Pong (2014), Corpos dos Afetos (2015) e Dois Quartos (2017, em co-autoria com Tida Carvalho). Já se apresentou em eventos como Inverno Cultural de São João Del Rei (2012), Terças Poéticas do Palácio das Artes (2012, 2015), VII Mostra de Artes Visuais da Escola de Design da UEMG (2013), Circuito Literário Praça da Liberdade (2014), Festival de Inverno de Mateus Leme (2014, 2017), 4ª Semana UEMG (2015), Colloque Internacional Poétiques et Politiques du Corps dans la Contemporanéité (2015), Virada Cultural (2016) e PSIU Poético (2019). Mora em Belo Horizonte.
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