“Floresce imanente a semente do oco eco um berro dilacerante” – Três poemas de Paulo de Carvalho

 

 

Salmo para luxúrias, incensos e narguilés

Atrás do Sol em horas Vésperas
Desvela-se a tarde — da tâmara é sua pele prenúncios da sedução ao espargir aromas
e viço momentos lúdicos jogos líricos-idílicos dos amantes e o voo dos pássaros em
seus êxodos entoam seus cânticos

[E dos BRILHOS indiscretos dos vidros — suas formas e cores, crio vitrais para o calor-
fulgor da alcova reflexos em panos e rendas emolduram todo esplendor da nudez

À sinfonia das cores misturam-se a luz dos archotes acordam damas de fogo —
coreografia em chamas de azeite acendem sombras aos cantos tantos e bailam…
bailam… cálices e candeias a uva e o fogo em rito solene incitam fomes à Carne

As horas completas :: a liturgia das peles

A noite derrama-se por leito mística dos gestos desígnios dos signos — seu corpo
cassis clama o brinde; no cristal das taças transparência das sedes – nossas mãos
ungidas d’escuros navegam os corpos desvelando secretos e impérios.

[Margem das horas jogos d’areias… escoam; o tempo em dunas eternas universos
lúdicos —ampulhetas cíclicas; ao tato da pele hipnose lúcida nos corpos o aroma dos
incensos e ópios

Já tão amplo o leito onde ofertam-se às línguas as peles — e os nomes escritos aos
sopros na carne e o verbo declinado pelas unhas e dentes na carne :: signos…
volúpias… onde peles e lábios e línguas e vulvas e falos confundem-se

Ao canto Laudes da manhã que se avizinha

As madrugadas d’alcovas desconhecem Nomes — batiza-nos! Sou-te onde Tu me és!
Somos nas mais intrínsecas danças :: putas e machos Teu sopro fala em meu copo meu
Nome em línguas desenham Teus desejos

[Do espírito do vinho emanam… fetiches e todos os corpos nas danças — a coreografia
das horas a liturgia das paixões

Quando as manhãs anoitecem em cítaras quem te sabe as cores dos versos e a pele
dos Verbos? Somos todos… todas… dançarinos… dançarinas… e bailamos nas liras de
nós salmistas e mestres do canto e dos encantos para Luxúrias, incensos e narguilés.

15/03/2017

 

 

diálogos de SOLIDÃO

desconstruir VAZIOS
quão estranho pode soar em tempos tão plenos
[tão irreal parecerá aos Homens completos

de vidro, ferro e brita
interiores reflexos entornos complexos D’ANGÚSTIA
[vazios edificados paradoxo contemporâneo

constroem-se SÓLIDOS
todo simbólico transubstanciado em corpos e mal
[transparência e silêncio preenchem d’escuro

discursos de SOMBRAS
fundam desertos constroem indecifráveis miragens
[revelam falésias revestidas de enganos e sal

CONVÍVIOS insólitos
onde externos multiplicam-se pássaros — alforria
[no peito grudam em visgo seus voos em ossos

Em CASULOS guardados
Tanto o livre quanto MEDO dispensário de engodos
[quem sabe os ritos da pérola em sua clausura?

A solidão é um jogo d’ESPELHOS
denuncia nos olhos a dor inquilina e o sangue na faca
[ao escuro das noites todos os uivos são loucos

NAVALHAS d’entrelinhas
Nas curvas dos Versos
Inversos de dentro
Opacos de fora

08/03/2016

 

 

a cidade dos DEUSES mortos

                                                  [o estertor das eras sangrado nas lápides

Decantadas em neon desvelam-se as cidades e os campos
[toda desmesura dos limbos desta era quimérica
E toda Natureza entoa seus cânticos d’amalgama
[tal é a luz da vida dádiva em sete céus e véus de augúrios
Cobrem-se de aço e breu as dores e amores nas alcovas
[como saber-te as lágrimas e os cantos entre anjos d’estanho?

             Consagram-te mortes em jardins de dálias e dádivas
             E dívidas sacramentadas nos pergaminhos de mármore
             [estatutos perpétuos d’um agora eterno — em loas ao belo!

E todos tão belos despertos em manhãs convictas
Todos tão plenos de eternidades lógicas memórias de nuvens
E vens!
E seguem lúcidos em transes mágicos passes trágicos
Trêfegos equilibristas em fios de raro vidro espelhos d’alma
E das águas turvas onde já não mais peixes ou trigo
Floresce imanente a semente do oco eco um berro dilacerante
O mais profundo abismo seu ismo exaurido em si… de si… de fim
Do saibro e da cal caiadas sancas nas antessalas grenás
De teus cânticos escoam espíritos de gesso
[quase Isso… quase lúdico… telúrico
Do cume dos campanários obsequia-te a gárgula
::
[quem te sabe o brado lancinante no gume dos aços?

15/04/2016

 

 

Paulo de Carvalho é escritor/poeta, designer gráfico e editor da Editora Armazém de Quinquilharias e Utopias.
Publicou dois livros Cantabile (2007, Ed. Muiraquitã), Kyrie (2009, Ed Biblioteca 24 x 7) e A
Inatingível curva da MIRAGEM (Armazém de Quinquilharias e Utopias. 2019)
Idealizador e editor do fanzine bimensal ALFARRÁBIOS.
Produtor Cultural e fotógrafo.
Estudioso da teologia (percurso em mestrado), mitologia e filosofia.

 

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This Article Has 2 Comments
  1. Paulo de Carvalho Reply

    Tenho acompanhado as publicações desta revista, pela qualidade dos poetas e do conteúdo da mesma, sinto-me honrado por ter meus poemas publicados.
    Gratidão!

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