“Das ficções sinto que nunca despertei” – Três poemas de Remisson Aniceto

 
 
 

NAUFRÁGIO

No alto mar o navio ancorou.
A alma cansada sangrou,
abalroada pela mágoa
onde singrava o coração.

A proa ferida tingiu as águas;
anoiteceu; a maré subiu.
No olho escuro do furacão
um corpo ferido deságua.
Da alma, nenhuma pista.

— Morte à vista! Morte à vista!

O barco levava riqueza a bordo:
fé e esperança cruzando os mares.
A esperança fugiu a bombordo
e a fé diluiu-se pelos ares.

A nau, frágil de esperança
e sem a fé que girava o leme,
pra lá e pra cá balança
na procela que grita e geme.

Desfraldado, como um carrasco,
de um golpe o mastro desce
ferindo o fundo do casco.
Revelado, o negro fundo do mar aparece.
E a tormenta parece uivar:

— Homem ao mar! Homem ao mar!

 

 

EGOÍSMO

Se Deus vier de repente me levar
embora daqui pra outro porto,
eu não queria te ver chorar,
que para ti nunca estarei morto.

E quando te sentires em desabrigo,
estarei contigo neste momento.
E o teu amor guardarei comigo
no meu coração e no meu pensamento.

Mas se de repente Deus te levar embora
de surpresa pra longe dos meus braços,
eu te peço: me avisa na mesma hora,
que longe de ti não sei o que faço.

Manda um recado em pensamento,
no mesmo segundo em que Ele te levar,
que eu te prometo: neste exato momento
irei embora, sem demora, te encontrar.

 

 

UTOPIA

Da minha vida tantos bons sonhos descartei
e sonhos vãos guardei demais n’alma doente…
Das ficções sinto que nunca despertei
e sigo em devaneio noite e dia, inutilmente.

É de fúteis sonhos tão extensa a minha lista,
que acordado o meu ofício é apagá-los.
À boca pequena dizem que sou niilista,
que por ceticismo jogo a vida pelos ralos.

Sei que preciso perder essa louca mania
— pois a vida é bela, mas não é só fantasia —
de sonhar o tempo inteiro e em desalinho

Deixar de sonhar? Não, não é o que eu digo!
Só vou desde agora separar o joio do trigo —
e de sonhos bons tornar real o meu caminho.

 

 

Remisson Aniceto nasceu em 1962 na cidade de Nova Era (MG), vizinha da Itabira do Drummond de Andrade.
Desde adolescente sonhava encontrar o poeta, até que recebeu o seu recado: “tinha uma pedra no meio do caminho”. Depois de muitos anos escrevendo contos, crônicas e poesias, muitos deles traduzidos e divulgados em rádios, sites, jornais, revistas de literatura e educação, livros didáticos e trabalhos de mestrado (Unisinos), resolveu finalmente abrigar seus textos em livros.
Além de figurar em diversas coletâneas como Escrevo nos espaços que me restam (Editora Bauhaus, 1982), Novos talentos da poesia brasileira (Forever Editora, 1995), Palavras de Poetas (Physis Editora, 1997), Todo dia é dia de poesia (iG Editores, Stella Maris/Pão-de-Açúcar, 2002), é autor de Poesia para o mundo (Bubok 2009), Leva-me Contigo, a Senhora S & Outras Histórias (Editora Penalux, 2016) e Para uma Nova Era, Poesia & Prosa (Editora Patuá, 2019).  Será publicado ainda em 2019 pela Editora Coralina o infantil O Indiozinho que se Apagava.

“Despertar através da escrita a emoção e o encantamento, a reflexão e a ação positiva, eis o meu objetivo.”

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