Livro de poemas Vala faz da homilia poética a transfiguração do expurgo da dor em homeostase do ser em reflexão

 

Fernando Andrade

Crítico literário e jornalista 

 

No ato da contrição da hóstia em que o humano vai ao altar onde a figura de Cristo em madeira está crucificada para receber o corpo de cristo em si e comungar do sofrimento dele na cerimônia católica. Ali não há o pendor da palavra, tudo é reiterado pelo poder do silêncio no máximo uma canção que fale da absolvição. Pensar sob seus desígnios, enquanto homem com carne, sem tempero do sal. Sem qualidade do que salga. Sem pensar na têmpera do salário. Sem buscar conforto no trabalho; que dignifica todo este processo entre carne e alma.

Mas busco a hóstia em outra têmpera, ou temperatura, do sagrado ao profano, das vestes não de cristo, mas sim do humano demasiado humano, corruptela do não corruptível, mas sim perecível em torno das ficções do desejo. A homilia deveria ser então desejo portanto escrevo…

Mas ao escrever sobre o material tão perto de mim, me vejo lado a lado com um lago que não é de Narciso, que de tão belo pulou no lago em busca de sua autoimagem. Claro que poetas e escritores buscam ela a todo momento. O que é escrita  se não a linguagem uma autenticação de si. Por isso entro automaticamente no livro Vala do poeta Danilo Giroldo pela editora Patuá. Em formato de um diário que não é confessional pois ali não há uma escrita do eu girando em ensimesmados.

A primeira pessoa do poeta carrega todas as dores dos outros. São as mesmas? Não. Mas ao adotar um posição de 3 pessoas, ele mescla processos identitários com o mundo, o entorno. O mundo é seu, poderia um filósofo ter falado. Nos colocamos nele, pois estamos imersos nele, apesar de alguma dor singular e anestesiante. Neste processo identitário é que mora o grande barato do Vala, uma vala comum, depositária de todo afeto humano pela relação homeostatica com o entorno. Danilo faz de seus versos quase cânticos em uma trova que me parece muito musical, mas que não se metrifica deixando o verso solto e livre para o balanço das ancas.

Mas não é apenas o relacional com mundo que o poeta opera. E sim sua capacidade operacional de usar por exemplo sua bagagem profissional para deslindar operações filosóficas de olhar não só a sua região como Porto Alegre, mas também operar cirurgicamente o real com lentes muito profícuas de semântica poética, de deslindar as fissuras e por tanto brechas do que nos causa mal súbito. Há nele um processo quase terapêutico de entrar em reflexão sobre as vestes do poema. Nos cura de toda homilia do sofrimento, para nos resguardar pela oração da maldita palavra cantada pela poética da alteridade do corpo não sei de Cristo.

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