1.
Japane Arijuane, Nelson Lineu e Óscar Fanheiro
É noite! Espreito o Alcobaça, quase murcho, o
átimo pernoita nos bancos do tempo;
As ruas sem o licor de outrora cantam a
solidão das mãos, como reabilitar a voz nesta
rua invisível;
Adopto a alma da memória, a combustão
interna seca os arbustos em volta, sigo a voz
do galo;
Quantas lágrimas banham o silencio da noite,
entre as folhas húmidas da ironia, uma cidade
esconde o rosto;
Dentro da arena a boca suspende o grito, o
texto adormece com os lábios em sede;
Regresso a noite, Maputo – campo de transito,
foz de invólucro onde a luz perde o metrómano
da matéria;
Peço um copo no Jipsy, acalento o estômago
sem a pressão do etanol.
(risos)! Andemos pela sombra, o peito dos
fonemas em aberto exotérico; baixo fluxo de
sangue, do tempo, da solidão, do silêncio
sobre a ferida umbilical do caos interior. Olha,
onde buscar o farol para reformar a tristeza? –
escreveu sonâmbulo – Óscar Fanheiro.
Nesta rua, a solidão esconde os dentes, todo o
sorriso expande na largura dos olhos;
– Feita imagem de Deus, olhar para dentro do
poema – todos os destroços reunidos antes da
queda – frágil ósseo de esperança
percorrendo-nos desde o abysmo ate a
medula do sonho. E então, o que dizer da
palavra, das noites, das manhãs em pleno
cataclismo, o fogo repartindo seu corpo por
entre as bocas das abelhas – evocou Óscar
Fanheiro na sua locução nocturna.
Vivo a alegoria; minha sombra aprende o
alfabeto do silêncio;
– Tenho o tempo sobre a memória -retorquiu o
rapaz.
Não há nenhuma memória com o azul do
tempo;
2.
Ao Sérgio Raimundo
Fogo = vermelho; algo rapado despe o licor
nos lábios, mordisco o feltro com os dedos;
Quero abalroar os vampiros da casa dos
heróis, afugentar com o volume da voz a
desgraça cozida nas costas da multidão;
Abro a porta, mas ninguém grita comigo;
Pinto as paredes com o desregramento da fala
interior, os miúdos riem da desgraça;
Aperto os calos do anti-herói, uma montanha
ecoa na minha língua;
Que paladar ensombra o cordão dos
transeuntes;
Como se inventa uma rebelião sem fome?
a poesia escorrega-me aos dedos no papel
como gorduras de palavras emergindo numa
boca deserta de dentes – retorquiu, Sérgio.
3.
Ao Mauro Brito
Faz – se muda a inocência;
Observo o serpentear da malicia na boca, há
predisposição inusitada em aplaudir o frívolo
nas ruas da virgindade perdida;
Esfrego as mãos sem ar, fricção indolor, exige
o empenho com a verdade;
Que notícias a voz despe no quintal da morte;
Bebo chá, a língua amolece a fome com a
fragrância de um beijo antigo – penso na
orfandade do ramo com o peso de Judas, a
falência do verde nos galhos secos pela
história;
Estava escrito dizem; como caçar mártires
sem moedas no asfalto;
Recrio o voo de Eluard, grito no vácuo, a veia
da nuvem cavalga solitária como um barco
despido da língua;
Abro a porta da página, fixo o desengano no
celular;
In: Conversas para matar o sono…
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Entre 2003 e 2004, foi membro do movimento Jovens e Amigos da Cultura (JoAC) e do grupo Arrabenta Xithokozelo, que anima as noites de poesia e música no Modaskavulu do Teatro Avenida. Tem dois livros publicados: Ensaios Poéticos, editado pela Cavalo do Mar e Descrição das Sombras, editado pela Fundação Fernando Leite Couto, todas de 2017. Tem também, textos publicados na colectânea Arqueologia da Palavra e em revistas electrónicas.
Be the first to comment