Três poemas publicados no livro VALA (Patuá, 2019) de Danilo Giroldo

Nada

Tudo pode ter vindo do nada.
Mas hoje sou só nada.
Sinto como se cada molécula do meu corpo
fosse apenas nada.
Feitas de nada e produzindo nada.
Talvez elas sejam assim mesmo.
Mas refiro-me ao nada como ausência.
Como se tudo feito por mim até hoje
fosse a maior de todas as mentiras.
Nada, portanto.
Nada feito de verdade.
Nunca deveria ter existido,
tamanha farsa na existência.
Mais do que tudo,
sinto a materialidade do nada.
Sim, o nada prepondera em mim
e é palpável, feito de matéria viva,
embora dormente, em morte aparente.
Talvez eu me sinta como a aranha
paralisada pela ferroada da vespa algoz,
carregada para um buraco na terra,
assistindo aos ovos do parasitóide
eclodirem no próprio abdômen.
Sentir-se comido vivo por larvas estranhas,
sem dor, só com desespero e impotência.
É o nada desfazendo-se em vida
no tudo cósmico e mineral,
tal qual se originou.

 

 

Demolição

O que fizeram com os nossos sonhos.
É como acordar com barulho de demolição
depois de sonhar com a casa nova,
e o que está sendo demolido,
é a nossa própria velha casa.
Com todos os seus defeitos,
canos velhos e enferrujados,
torneiras que cospem água vermelha,
fios podres e desencapados,
que não suportam mais.
Soltam faíscas quando se tocam.
Fervem e ficam incandescentes,
prestes a por fogo em tudo,
cansados de tanta corrente,
demandas que se multiplicam.
Uma casa com fundação de mentiras,
para esconder a verdade de vergonhas.
Uma casa cheia de dor e miséria,
para a fartura de poucos,
mas que sonhou em abrigar alegria.
Queria se reformar,
sabia como fazer.
Mas não deixaram.
Sonhos coletivos
não são para serem realizados.
O que fizeram com nossos sonhos?

 

 

(R)Evoluções em espiral

Atônito observo as espirais
E, espiralmente, movimento-me,
perdendo a referência e a direção.
Busco conduzir a rota,
analisar a trajetória,
incapaz de saber o que restará
depois que os furacões passarem.

Em desespero, tentam frear a espiral,
nada sabem sobre relatividade,
travam aqui e ali, pensam ter sucesso,
mas não notam a espiral maior que os conduz,
nesta fractal caótica e imprevisível,
ainda longe de estabilizar.

Revoluções estão em curso
na introspecção de cada um.
Frente às telas hipnotizantes,
nasce uma nova humanidade.
Crítica e frágil, infante,
busca aprender sem conhecer,
termina perdida e dominada.

A sociedade líquida que evapora,
bases frágeis não sustentam
o peso da unitarização do pensamento,
massificado pela manipulação.
Há tempo para reforçar a estrutura,
ou a ruptura reordenará a sociedade.
Girando em espirais aceleradas,
sinto só vertigem e só, por enquanto.

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