Fernando Andrade
(Crítico de literatura e escritor)
O tímido seria o resto que se perdeu? Um autor em busca de um personagem, uma barca em busca de sua ancoragem. A ostra metade do tímido seria sua própria ausência do objeto amado? Repatriar as partes de um todo nas fronteiras da linguagem. O poema como enclave desta zona indefinida do lugar de onde se fala. De onde se fala o poema, ainda mais sendo tímido e gelatinoso? Cartografar uma zona híbrida de afetos e desejos é que o poeta Marcelo Torres tem feito nos seus sempre bravos petardos sonoros e anímicos ou fílmicos livros de poesia. Lendo este seu segundo livro chamado Poemas tímidos e gelatinosos pela editora Patuá, gozo pelo sabor da continuidade poética que me dá lastro e laço com a ruptura e fragmentação de uma espécie de fratura elíptica em seus segundos minutos de fluida transmissão.
O ruído com forma de onda sonora, aqui pejado pelo ótimo comprimento de onda do poeta que maneja a língua como poucos. Marcelo territorializa na verdade a língua do poema, em frames de sentidos que nunca operam totalmente numa raiz ontológica da verdade. Não há verdade nos seus poemas. Ele lida com a semântica dos inversos-contrários. Das aparas que não (se) param. Sua ideia fremida e gelatinosa do poema vem dos anti-discursos totalizantes e totalitários da estética poética nucleada em enclaves desbastantes.
Frases-frames resgatam o ludismo dadaísmo do próprio processo criativo, lunático-e-louco. Frases sentidos, lógica do sentido, que só fazem junção-canção depois de terminada a leitura do poema inteiro. Dicionário-Kazar- casamento de letras-som-e arritmia sonora. O universo retido numa casca de no(s)z-voz. Polissemia esquizo análise de réptil sentido. O tempo e espaço na quadratura da página do poeta é tão condensado como dilatado numa forma quase entrópica de buraco negro de significações que não se fazem por inteiras-tímidas na sua incompletude.
cotação: excelente
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