O jornalista Fernando Andrade dialoga no lançamento do livro Migalha, do poeta André Luiz Pinto

 

Migalha, editora 7letras

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Pense que o poeta André Luiz Pinto em seu novo livro Migalha, editora 7letras, deixe de lado sondar a vida como ela é, em sua cotidiana nuance, com temas e lemas. E substitua a pena e o traço numa finíssima camada sutil de ironia. Ligada à uma contenção do dizer ( menos é mais) que podemos chamar de minimal tanto para o bem como para a reflexão de nós leitores que sorrimos ao olhar as frinchas onde subliminares fios conectam sentidos e imagens. Como aquele sensação de meio tom( musical) como se sentássemos num bar bebendo e poetando no Jobi(m).

 

 

 

FERNANDO Há uma semântica em torno do seu título, como se você dissesse mais do que uma aparente nomeação. Algo que entorna em todo sentido do seu livro e da sua poética. Eu diria que que para mim foi um chamado ao universo de uma essência sintética calcada principalmente na sutileza da língua, nos desvãos do que nomear? * E do que supri(mi) em termos de padronização e uniformidade que sempre geram exageros da norma e senso comum. Como foi trabalhar a linguagem em vista deste estudo da forma de expressar antes de tudo na contenção?

ANDRÉ – O título “migalha” fala do insignificante, do que é tido como quase nada. Manoel de Barros já chamava a atenção para as “grandezas do ínfimo”. O título toma essa dianteira, não só pelo significado estrito da palavra ‘migalha’, como em vista de o título estar no singular, ou seja, ‘migalha’, e não como em geral se fala, ‘migalhas’. A noção de migalha é a de algo tão irrisório que a gente só se refere a ela no plural. Contudo, o irrisório não é apenas em relação ao conteúdo, mas aos recursos; nesse aspecto, Migalha é um livro que lida com o precário. O título segue, enfim, uma tendência de outros livros meus: Flor à margem (1999), Ao léu (2007), Mas valia (2016) e Nós, os dinossauros (2016), que já apontavam para essa urgência do marginal, do que está mal contado. Mas há outro ingrediente que se junta nesse livro, algo em desenvolvimento desde Ao léu: a busca da clareza, no caso, eu convenço o leitor de que ele está andando seguro, quando em verdade nada do que ele está lendo se sustenta. A concisão tem sido algo que começa a aparecer depois de eu ter publicado Terno Novo (2012). Essa ideia de que menos é mais, de que a forma faz coro com o conteúdo. O problema é que não é qualquer concisão que me interessa. Existe, a meu ver, diferença entre concisão e contenção. A contenção é uma forma tímida de concisão; é não só ser sintético, mas agir de soslaio. A sutileza está aí: circundo mais os problemas que os nomeio, circunscrevendo-os em personas poéticas (seja numa mãe que enterra o filho que odeia ou num rapaz que acabou de perder o emprego, mas assina tão despreocupadamente a dispensa a ponto de não tirar o fone de ouvido). Mas a sutileza também não é só devido a essas personas, como devido ao apreço que tenho pela ironia.

A sutileza é às vezes a única arma que dispomos para combater. E a sutileza e a contenção estão longe de ser uma restrição sobre o que se deve ou não se deve fazer num poema. Precisa-se ouvir de novo a lição moderna em aceitar a “contribuição milionária de todos os erros”. Muitos poemas escritos em Migalha estavam sob a forma de versos, mas depois eu percebi que a forma do parágrafo era o melhor para eles. Nascia uma forma aforismática de captação do real, intensa, ainda que fugidia.  

 

FERNANDO – * pegando carona da pergunta 1, quando nomeamos tendemos a classificar e generalizar. O próprio verbo aqui dentro até de seus sentidos religiosos, dá ideia de hipérbole, exagero. (Vou soltar o verbo!). Vi um pouco nos seus poemas uma veia até de humor pegando carona numa sabedoria zen-budista para tornear a capacidade de dizer muito com menos. Ao mesmo tempo que você pega os exageros morfológicos da ação humana, sempre desmedida do seu cerne que deveria ser esta intimidade com as coisas, as palavras e os afetos. Fale disso. 

     ANDRÉ –    Você captou uma coisa que eu mesmo não tinha notado: as histórias contadas são exageradas, dramáticas, mas a maneira como elas são narradas é que é contida. Olha a palavra ‘contenção’ de volta. O humor e a ironia são coisas que sempre estiveram presentes no que escrevo, desde Flor à margem e só veio se acentuando de livro a livro. Na verdade, elas só ganharam força quando depois de Terno Novo decidi não levar mais a poesia a sério, isto é, abandoná-la de vez. Continuo ou não continuo escrevendo? Foi a pergunta que me fiz. Como digo no último poema do livro, “Ainda”, viver é o troco que devemos dar a qualquer problema, o problema é se nesse troco cabe a poesia. E não poderia ser por menos: é idiotice não tentar, mas também errar e insistir. Decidi largar a poesia aos poucos, em doses homeopáticas. O humor se acentuou aí. Não aguentava mais me debater. Eu tinha que aprender a lidar com meu desespero. Restava não propriamente a ação, mas uma postura. Nisso, o que eu escrevo, desde Nós, os dinossauros, se aproxima do budismo, mas muito mais do cinismo, a meu ver uma postura mais radical que o budismo, e que reaparece em tão dramáticas e deliciosas edições! Renato Rezende, cuja obra poética dialoga lindamente com o misticismo búdico, pode explicar melhor, mas tenho a impressão de que, no budismo, ainda há pretensões pela verdade, ao passo que, no cinismo, não. O que fazemos, Goethe escreveu, não vale um peido. O acento irônico e que em alguns poemas de Migalha é sarcástico, não tem força curativa para mim, só terapêutica.

 

 

Minibio:

André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Vila Isabel, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC. Casado com Cristina Melo, pai de Tales Melo da Rocha. É autor de: Flor à margem (1999), Um brinco de cetim/Um pediente de satén (Maneco, 2003), Primeiro de Abril (Hedra, 2004), isto (Espectro Editorial, 2005), Ao léu (Bem-te-vi, 2007), Terno Novo (7Letras, 2012), Mas valia (Megamíni, 2016), Nós, os dinossauros (Patuá, 2016) e o mais recente, Migalha (7letras, 2019).

 

 

 

 

 

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