“Quero um dia contemplar tudo aquilo que dois sóis não cumprem” – Três poemas de Mariana Silveira

 

Paisagem n.1

Este é o céu rosado do abismo
que entorpece o alento mais destemido.
Na toca do submundo há uma terra
machucada pelo homem mais infeliz que já viveu.
O pequeno esforço,
solitário e alheio, do deserto calhado em pouca vida.
Debato cinzas, esclareço brasas, vivencio as chamas
De um acordar maligno nos afundados trópicos.

As aias em seus passos lentos, uniformes, vorazes,
aguardam o fim da existência enquanto jogam xadrez.

Intempéries contínuas arriscam-se nos corações baldios
onde os sentimentos precários dormem.

Um rio de fôlego acorda com violência os seres que prenunciam o
apocalipse.

Os livros desfalecem ao toque dos dedos brandos,
aterrorizando os sonhos em suas tumbas.

As nuvens largas escrevem as últimas mensagens
de apelo ao mundo constante.
Vejo as sombras das letras que se revelam belas,
douradas,
perfeitas e
impossíveis aos meus olhos duvidosos.

Sol vermelho encontra-se deslocado.
Prenúncio do desespero
que açoita e engole
o desejo dos imaculados.

 

 

Retrato de um desencanto

Nada muda,
de toda uma vida esperada,
não nascem giestas nem cantos,
vê-se um grito errôneo de píndaros em flor
e um apocalipse tardio que ilude meus olhos.

Cante comigo vate infernal,
leve-me aos subterrâneos
cobertos de asfalto.
Quero um dia contemplar tudo aquilo que dois sóis não cumprem,
avistando em série a existência dos gauches
e dos fúnebres.

 

 

Paisagem n.2

Prendo-me ao leve som das auroras de zinco.
Meu coração transborda em série
todos os caminhos do seu corpo.

Vivo o resplandecente sinal do possível encontro
entre o belo naufrágio e as dores em vão.

Constelações cantam os prováveis murmúrios
de uma explosão cósmica,
nas veias em colisão.
Menos forte que a morte
é a força persistente de um amor tranquilo,
porém complexo,
a correr neste sangue baldio,
louco,
na sua multidão em chamas,
em pedras,
no lótus do mar esquecido.

 

 

MARIANA SILVEIRA: Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo. Concluiu o curso de pós-graduação Lato Sensu em Linguagens da Arte, no Centro Universitário Mariantonia da USP. Tem experiência na área de Semiótica, Literatura e Estudos Visuais, principalmente no que concerne análise das mídias. Participante do grupo de pesquisa “Palavra e Imagem em Pensamento”, também vinculado à PUC. Seu interesse acadêmico envolve fotografia, cinema, literatura e poéticas artísticas.

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