Maria e José e a Família
I
Às seis acordam (quando não antes)
José e sua impessoal família.
Escovam o amargor do sono
e gargarejam o pesadelo,
penteiam o espreguiçar
das noite-noitadas; e mal dormido
vestia jejum ainda, desconjuntado
no rosto leite coalhado
no cabelo pão esmigalhado
a bocejar sol requentado
José (e a impessoal Família)
neste dia, sem ser horário marcado
II
vestia jejum ainda, desconjuntado
José e a família. Neste dia
sem horário marcado
(após o gozo-de-mel
Eva e Adão, trajados
como há muito não se via)
amanheceram à janela
em aquarela, pintados
sob o orvalho e poesia.
Livres como o sol neste dia
enquanto José chorava
para íntimos risos, estava Maria.
III
Em primeira pessoa, estava o José
Alves e a sua Família; aliás,
neste dia, acordaram tarde.
O trabalho ficou no centro,
fechada no livro, a escola
no bolso furado, o mercado
e o almoço foi em Família.
Neste dia, José se ajoelhou.
Maria (já de oito semanas)
antes da boca, incontida, bem
ser/vida entre anseios, engravidou.
Osório Porto Alegre São Paulo
I
Na vez primeira
Osório Porto Alegre São Paulo
o poeta não adormeceu de ver
só pra divagar
é primaveril o inédito, pétalas
caem na prosa
do historiador
assim, épocas
e línguas afins
são polinizadas (tempo não há)
noite dia logo
verso aferido não vem do caos
vem da gente (que vive a pele)
poemamente
II
sinto sede e vertigem no olhar
bebe-se nuvem
bebe-se estrela
azul-garoa pela intensa cidade
à toa desvairado
suspiro o tempo que inevitável
nunca se sente em casa. Nutre
se de metal espelho e sinapses
o homemporâneo sem estação
eis o migrante
vulto sem voz face ao instante
o ser, outro nós
eletromiserável
e apátrida na rua que é mundo
III
não há o onde
há itinerários, é a vida diversa
a poesia que transcende no ser
tão inacabado
tão liberto como nos é a cidade
vivaz poliglota
a velha árvore
assiste ao voo
da sua espécie
o pássaro edifica-se; não mais
o alto prédio
é sombra etérea, tem semente
que germina no chão da tarde,
flor que arde
IV
é outubro. E fecundos, o estar
e seus corpos
se é travessia
por que nem todos embarcam?
Ao taciturno
é salobra a jornada (o espirro
quando muito é da poeira). Ei-
(sem estação) lo homemoinho
que sobrevive de pedir outono
na primavera
(ao poeta) nem tudo são flores
viaduto é casa
inverno é casa
é casa lágrimas de quem florir
V
Paulicéia, sobre
tudo multi: étnica, outonal país
(metrópole em eterna gestação)
que se jardina
no caos. O escrevente que se vê
migrante, eis
que a desenha
traço abstrato,
vulto efêmero
no Brooklin entre pitangueiras
ruas e aromas
que polinizam asfalto concreto
e risos contidos. Além-estética,
escrevivências
Ao rio, gozo de Oceano
Suicida-se o poeta de asas na bunda,
datilografa a puta, suja de encanto.
Seus olhos de vinho
derramados no anjo
que cegos não falam
a língua dos fatos…
E para apurá-los
instalou-se inquérito:
é ela de sobressalto-menina
latente, vertente denúncia.
(Aí, suspeitaram-na!)…
Uma vez que suas digitais
ainda doíam
no voo torto do poema
que lançava ao rio, gozo de Oceano!
Delalves Costa (13 de dezembro, 1981) é escritor e poeta com 7 livros de poesia publicados: COISAS que faltam em mim (2005); O Menino dos Cataventos na Rua dos Passatempos (infanto-juvenil, 2006); “Considerações Pré-maturas”; Outras ausências” (2008); “Josseu Solta-inventos e as Invenções do infantiletrando” (infanto- juvenil, 2008); “Fragmentos e iluminuras do discurso pré-maturo” (2013); “Inacabamento, a eterna gestação” (2016), e “O Apanhador de Estrelas” (Becalete, 2018; 2ª edição Class, 2018). Formado em Letras Licenciatura-Plena Português e Literatura Portuguesa, é mestrando em Mestrado em Educação Profissional na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul/Uergs, Unidade Litoral Norte – Osório.
Profissionalmente, professor de português, literatura e texto técnico na rede pública de ensino do Rio Grande do Sul. Pesquisador nas áreas de ensino, literatura e cultura locus-regionais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
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