“sob vaga-lumes distantes”- Três poemas de Andri Carvão

 

 

Poemas selecionados do livro Um Sol Para Cada Montanha (2018/Chiado Books).

ESCOTEIROS

Enquanto jovens festejam,
espantando os seus males
cantando livres na noite
sob vaga-lumes distantes
e diante de borrachudos
cobertos de guarda-chuvas
verdes,
formigas fazem um banquete.
Acompanhamento
no acampamento
: organização faz parte
dos testes de sobrevivência
na mata escura.

Enquanto jovens festejam,
colhendo lenhas e gravetos
atentos com suas lanternas
nas entranhas da floresta
mas próximos às cabanas
cobertas de guarda-chuvas
verdes,
elas fazem um belo banquete.
Acompanhamento
no acampamento
: solidariedade faz parte
dos testes de sobrevivência
na floresta fechada.

Enquanto jovens festejam,
soltando anjos e demônios
com suas vozes desafinadas
acompanhadas por violões
ao redor de uma fogueira
coberta de guarda-chuvas
verdes,
sozinhas bancam o banquete.
Acompanhamento
no acampamento
: perigos fazem parte
dos testes de sobrevivência
na selva misteriosa.

 

ÍNDIO GALDINO

vestiram o índio
destruíram sua aldeia
índio vestido
índio favelado

ensinaram o índio
comer de garfo e faca
sentar a mesa
ensinaram português do Brasil

índio da cidade
índio urbano
arrumaram um trabalho
na fábrica do branco

trataram o índio como negro
e o negro como bicho
bicho do mato
do mato queimado

arrumaram um trampo
na plantação de marijuana
pro índio índio ilegal
aculturaram o índio

o índio não é negro
o índio não é branco
o índio não é amarelo
o índio não é índio

espancaram o índio
até o desmaio
o índio numa cela
escória da sociedade

civilização selvagem
queimaram o índio
enterro humilde
enterro cristão

 

XEQUE-MATE

O mundo é um tabuleiro
A vida é um jogo

Em casa você é o Rei
No trabalho Peão
Na rua um Cavalo

Em casa para a mulher você é o Rei
Ou um Cavalo
Para os filhos o Bispo
Ou uma Torre

No trabalho para o patrão
Peão
Para os subordinados você é o Rei
Ou um Cavalo

Na rua é o Rei
No trânsito Cavalo
Na multidão só mais um Peão
Em si a Torre

Para seus familiares a Torre
Às vezes é o Rei
Outras Peão
Às vezes o Bispo
Ou Cavalo
Para seus amigos a Torre
Também é Rei
Às vezes Peão
Outras o Bispo
Ou Cavalo

Todo mundo quer comer a Rainha

A mulher pede o divórcio
Você é um Cavalo o Bispo a Torre
Foi demitido
Você é o Bispo a Torre
Vai parar no xadrez
Você é a Torre

Você é ceifado pela Rainha Negra
E substituído por novas peças
Está fora da nova regra
Você é a Torre

No lar
Outro Rei outro Bispo outro Cavalo
No serviço
Outro Rei outro Peão outro Cavalo
Lá fora
Outro Peão outra Torre outro Cavalo

Cavalo Cavalo Cavalo

Todas as peças se deslocam lentamente
Mas sempre se encaixam perfeitamente

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor possui publicações nas revistas online Labirinto Literário, Libertinagem, Gueto, Aluvião, Originais Reprovados, Subversa, Ruído Manifesto, foi colunista do site Educa2 e participou das antologias: Gengibre – Diálogos para o Coração das Putas e dos Homens Mortos e Embaçadíssima – Antologia Tirada de uma Notícia de Jornal [ambas pela Editora Appaloosa]. Publicou Polifemo em Lilipute e outros contos [também pela Editora Appaloosa], O Poeta e a Cidade [Editora Gueto], Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou o livro coletivo Marielle’s [ambos pela Scenarium] e Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books].

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