No livro de poemas Todas as saudades do mundo, Amanda Cardoso abriga em seus versos o luto, que enverga de algum modo a lombar dos dias de sua existência

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Todas as saudades do mundo, editora Folheando2018, livro de poemas de Amanda Cardoso. No texto inicial ela nos dará alguns traços do  desenho paisagístico que será elaborado pelo eu-lírico que habitará consideravelmente boa parte do território da obra.
O poema de  abertura na página 15 diz assim:

para continuar nesta cidade…
Serei apenas eu, breve, passageira
E tua antiga companheira
De viagens.
A meu ver no excerto acima há uma confissão de autoafirmação vital, convocação e necessidade de reunir força interior, para prosseguir com a própria existência,  apresentando deste modo  uma suposta trepidez perante  as constantes e  recorrentes agruras existenciais.
Na página 44 há percepção deste olhar intimista
Os nossos olhos se encontram por um segundo
Apenas.
E isto me dói por um milênio.

 
 O poeta e crítico literário Airton Souza escreve no prefácio do livro 

‘…há ensaio de como refazer os olhares sobre as geografias, tanto humana, quanto espacial. Pois, nele encontraremos antigas viagens sentimentalmente silenciadas, mas não sucumbidas dentro da memoria´’ pág. 11.

 
Airton discerniu bem, em sua análise, a essência poética de  Cardoso, existem estas geografias e uma espécie duma  outra, mas íntima, neste caso aglutinaria no processo de compreensão mais um elemento: a geografia íntima.

Amanda expõe na sua obra uma  visão, recebida pelo seu receptáculo sensorial, atingida por estorvos  que se  apresentam como dardos implacáveis, constituídos pelos teares existenciais. Mas contraditoriamente estes dardos (corpo da memória ) não sofrem revés com o gradativo  choque diário, praticado pelo distanciamento temporal, não diminuindo  a elisão dolorosa destes sentimentos, não concorrendo favoravelmente em  direção qualquer para  um bálsamo ou  alívio.

 

Cardoso guarda  numa significativa parte dos seus versos o luto, vizinho da saudade, que enverga de algum modo  a lombar dos dias e  a aproxima do mito grego  Atlas, mas no caso dela, o imensurável peso, não tem matéria, foi dissolvido pelo passado, e renitentemente este espírito  sem trégua a revisita; permanecendo o presente como um anfitriã a dar acomodação diária para as dores represadas pela lembrança.

A poética de Amanda diante desta geografia intima dialoga em tom confessional,  apontando convergentemente para um conhecido poema do mestre e poeta Itabirano. Amanda diz:

 

Minha existência é
grosseira demais para dar
espaço a dor alheia

 
A poeta parece puxar sozinha a corda deste passado, quem observa de longe não  a vê em vantagem. A memória sutilmente consome os possíveis lírios do presente.

Amanda, portanto, encontra como saída catártica, a poesia como um monte que a impulsiona para a transcendência, lugar de fruição e eventual moradia, e talha ali em tom sensível e bonito um pássaro de madeira, que como numa fábula, ainda busca ser  maestro do seu canto.
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This Article Has 2 Comments
  1. Diana Reply

    Análise perfeita

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