Dos socovões da alma

Por Ana Meireles

Antes de iniciar a leitura de “Dos Socovões da Alma”, lembrei que conheci o Poeta Alufa-Licuta Oxoronga em um grupo de WhatsApp de escritores paraenses. Desde então, fui tomando proximidade com a sua escrita e me encantei com a poesia nela contida. Através dela passei a sentir que o talento do autor de” Dos Socovões da Alma” se derramava na pessoa de um ser que existe-existindo , como ele mesmo diz.  E acrescento que , ao seu jeito humano de ser e estar nesta vida ( pelo que se apreende da sua força poética), se poematizam as possibilidades de ser terra, céu e também imensidão de mar…

Comecei a ler “Dos Socovões da Alma”, numa tarde cinzenta deste mês de dezembro, em que uma lassidão inesperada tomava conta do meu corpo. Entreguei-me a ela como se fosse a deitar estivesse numa rede, de tal modo que permiti à preguiça atravessar e minguar qualquer tentativa de lhe resistir. A leitura seria o grande lençol ao qual me cobriria por horas entretidas!

De início logo gostei da referência à Fabrício Carpi Nejar quanto a “um segredo ser compreendido como algo morto”. Não preciso dizer, mas já estou dizendo : Tudo que é bem compreendido repousa em uma cava ( não cova) profunda de paz.

Assim, tal como o Poeta Alufa Licuta Oxoronga comentou na apresentação do livro, uma inquietação penetrou os meus socovões . Não uma inquietação propriamente existencial como a do autor, mas uma inquietação sobre a inquietação na parte tocante ao cogito, aos labirintos da mente e suas manifestações em versos e reversos, suscitando compreensões nem sempre possíveis.

O enigmático mundo das ideias e suas antagônicas e contraditórias expressões, deixam um quê de fluxo que nem sempre permite acomodar os cotovelos na janela e apreciar a paisagem que se derrama contínua pela força incoercível das palavras.

Resta-nos, contudo, o sonhar, o sentir o cheiro, e pela avidez do desejo, tentar ignorar o que de racional tenta nos dominar e se entregar a película que passa ante nossos olhos abrindo-se para as indumentárias cenas poéticas.

Adentrei o corpo do livro com cuidado, sem esquecer que o único pretexto do Poeta em Dos Socovões da Alma “é o de mostrar às pessoas que a vida é mais simples do que se supõe. Que a vida têm coisas a deslumbrar. E, principalmente, que a alma é um esconderijo em que todos querem estar, em que todos querem conhecer, e da qual, todos querem falar. De bem ou de mal.”

Nesta confabulação que aqui faço, tomo o lugar de esconderijo que a alma ocupa para o Poeta e concebendo que não há um lugar específico no corpo que já tenha sido atribuído a sua existência, coloco-a como parte da expressão inconsciente que habita a casa da mente. Assim, pude navegar na leitura que me pareceu tomada da nervura das palavras a se fazer sensível e indelével em minha própria nervura.

Há, na escrita do Poeta Alufa, pontos abissais onde feixes nervosos propiciam contraturas, paroxismos, de tal forma que não há como escapar de sentir que a leitura por vezes chega a queimar e esfriar. Por vezes é bebida travosa ou trevosa, bebida que na garganta trava como se uma pergunta pairasse na rasgadura pós-língua e ousasse suplicar um vocábulo doce para desamargar a dor ou amenizar a acidez.

Uma impressão que breve se dissipa como muitas vezes acontece com o que se experimenta pela primeira vez e quase invariavelmente causa estranheza até o prazeroso momento em que nos apropriamos da plenitude do seu gosto/sabor.

“ E a dor inquisitória
deixa sua escuridão
e invade-me,
insubmissa.

Rogando seus signos
rigorosos
e seus desterros
psicanalíticos
para que eu,
desmerecedor de mim mesmo
não cumpra o divino acesso
de ser,
eu mesmo,
sabedor de meus próprios desejos.

Por isto,
a cada novo dia,
planto no meu coração
sementes do futuro
e sorvo ao meu peito
nuances
e
contornos
de novos nascimentos.

Sim, ao longo da construção poética a dor é entrelace de esperança, luta e combate. Em
que os dramas diários são lançados na imensidão do mar como simples oferendas,

“Até que o perfeito
e aprazível exercício
de se viver cada dia
floresça
para dentro de minha alma
um viver por inteiro.

Da conversa do Poeta “no esconderijo”, o reconhecimento da dor:

“como única abertura
para que a alma se confesse
como intérprete da dor.

Para que a alma se confesse
hospedeira da vida

e do amor.”

E das suas elucubrações diárias, o desejo de vida que atravessa sua alma em busca das
“Evidências de um dia de Sol” . É quando Não se rende aos apelos da morte que
permeia o existir. E regurgita o verso:

“…de pranto
o meu peito está cheio.

Quero-me
livre do frio
e da dor.”

O poeta , então, se revigora e se deseja alimentício e submúltiplo. E, em conversa
íntima, “Dos Socovões da Alma”, convida a perceber o azul profundo insultando à vida.
E Verseja:

“Somos convidados,
ou melhor, convencidos
a voltar nossos olhos
as possibilidades que se escondem;

…A sermos vida
nos solos charqueados da morte;”

Dos Socovões da Alma, pude sentir a fibra dos contorcionismos próprios da condição
de existir. Emaranhados que torcem e retorcem em dores desejos insatisfeitos e
posteriormente apaziguados, como quando aos seus leitores o autor apresenta seu
premente desejo de “…vivenciar o azul da vida nos socovões de minha alma.”

 

Ana Meireles nasceu em Icoaraci distrito de Belém do Pará. Possui formação em Psicologia (UFPA) e especialização em Psicologia Jurídica (Unama).
É servidora pública lotada na Secretaria de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda -SEASTER. Escreve poemas e crônicas.

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