Fernando Andrade entrevista a escritora Moema Vilela

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FERNANDO ANDRADE – Você usa o micro-conto com uma expressão de sugestão muito interessante. Ao diminuir o magma textual na página, você parece que aumenta a capacidade de expor sentidos não aflorados pela 1 leitura, já que seu texto se faz por um subtexto fortíssimo. Como foi tracejar esta condição  no livro todo?

MOEMA VILELA A própria brevidade convida a essa explosão do subtexto. É como Octávio Paz diz do haicai, apresentando-o como uma “pequena cápsula carregada de poesia capaz de fazer saltar a realidade aparente”. As formas breves têm dessas. Se não podemos manter no texto nada que não seja essencial, as palavras ficam mais exatas, mas também mais potentes, mais apelativas. O autor vai ter que escolhê-las “no cuidado de quem, ao morder, sente um espinho na doçura do peixe”, como disse um entendido nessa arte, o Dalton Trevisan. Além disso, esse lambari vai ter que se inventar em banquete. Doutrina de minificionista, né?

Em A dupla vida de Dadá as histórias já surgiram a partir dessa lógica, então não sinto que tenha havido um esforço nesse aspecto – elas já nasceram breves. A edição foi muito na minúcia da linguagem, em alterar palavras, vírgulas, tudo mínimo, na redação do texto mesmo. A história em si já surgiu próxima de como ficou na publicação final.

 

 FERNANDO ANDRADE  – A sua concisão abarca uma série de descrições do cotidiano com uma leve reflexão sobre as posturas diante das relações afetivas, muitas vezes olhada por você com certa ironia. Como foi desenhar estes cenas cotidianas em pouco espaço? Havia alguma ideia de ação a começar?

MOEMA VILELA –  Gostei dessa observação sobre o olhar irônico sobre as cenas, que é algo em que eu não tinha pensado muito a respeito e é, de fato, há essa ironia em muitas das histórias. Aparece um humor umas vezes mais doce ou mais cítrico – eventualmente, raramente, catastrófico. Isso combina com sua leitura da enunciação fabular presente nas histórias, na pergunta seguinte.

Sobre a composição do livro, ele surgiu dessa gana de enxergar histórias em todo lugar. Uma vivência na rua, uma conversa entreouvida, qualquer naco de acontecimento era motor de criação. A epígrafe da Lydia Davis falando que ela teve que lutar com a compulsão de transformar tudo numa história aconteceu mesmo comigo, também porque essa condição da brevidade tornava possível concluir mais histórias mais rapidamente.

 

FERNANDO ANDRADE –  Uma inquietação minha diante da variedade de olhares e viés do seu texto. Em certo momentos percebo ( posso estar enganado) que seus contos se aproximariam de um certo tracejado de fábula, pois existe algum tipo de moral mas sem o fecho  sacralizante da fábula, propriamente dita?

MOEMA VILELA –  Interessante essa leitura que aproxima os contos da fábula. A fábula é reflexiva, e nesse sentido há em muitas das histórias um convite ao leitor para rever o texto, para interpretá-lo em mais de um viés. Às vezes isso acontece porque o ponto de vista muda, ou o texto dá voltas até revelar seu objeto – a chuva, a sombra do trem. A questão da perspectiva é bem central em muitas das histórias.

É como com a ironia: o sentido do texto não se dá a conhecer prontamente, ele vem meio sorrateiro, na brincadeira de esconder. Ao mesmo tempo, também acho que não há conclusões moralizantes ou metafóricas, simbólicas. Talvez o que aconteça é que essa observação mínima de uma cena ou de uma interação humana seja apresentada a partir de narrações algo capciosas – como a narração irônica, que nega uma leitura direta, literal, do texto.

 

FERNANDO ANDRADE –  Tive uma sensação de incomunicabilidade entre pessoas como se as relações sociais estivesse esgarçadas pelo viés de um mundo ou muito palavroso ou pela questão do afeto, onde como diz Baumman, tudo está muito líquido. Fale um pouco disso? 

MOEMA VILELA –  Na terceira parte do livro, talvez em especial em “Voz, perder, perdão”, há algo (ou muito) disso – “Voz, perder, perdão” é o conto mais longo, mais diferente dentro do livro. Penso que talvez o que haja de encontro e desencontro entre as pessoas ali também tenha a ver com um encontro e desencontro de comunicação, de encontrar um nomeação em comum da experiência vivida.

 

afernandoab 1 300x300 - Fernando Andrade entrevista a escritora Moema VilelaFERNANDO ANDRADE, jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018 o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie,  Editora Penalux.

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