“sem deixar que teu silêncio morra” – Três poemas de Igor Fagundes

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Igor Fagundes – Poeta, ensaísta, crítico, teórico do mito e  da arte, ator e professor do Departamento de Arte Corporal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no setor de Filosofia, Estética e Teorias da Dança. É o  atual coordenador do curso de Bacharelado em Teoria da Dança da UFRJ. Fundador do Programa de Pós-Graduação  em Dança da UFRJ (Mestrado Acadêmico). Foi também professor de Teoria Literária e Fundamentos da Cultura Literária Brasileira na mesma instituição. Doutor e Mestre em Poética também pela UFRJ, além de assistente de  coordenação do pioneiro curso de pós-graduação em Estudos Culturais e Históricos da Diáspora e Civilização Africana na Fundação Educacional de Macaé (RJ). Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), jornalista e profissional do teatro com participação em  diversos espetáculos nas funções de ator, diretor e/ou dramaturgo. Membro do PEN (Poets, Essaysts and Novelists) Clube e da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas. Congrega experiência na  área de Filosofia Antiga e Contemporânea, Mitologia (Grega e Iorubá), Teoria Literária, Literatura Brasileira e Teoria da Dança. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Corpo, Educação e Poéticas Interdisciplinares” e do Nu Nada – Núcleo Interdisciplinar de Filosofia, Poética e Corporeidade. Membro cofundador da Rede Poética – Grupo Interinstitucional de Pesquisas em Arte  e Filosofia. Autor de outros oito livros (quatro premiados), organizador de  quatro e coautor de dezenas de obras literárias ou ensaísticas, além de resenhista de quase 100 escritores brasileiros em jornais, periódicos e revistas especializados. Possui cerca de 60 premiações em concursos literários.

 

 

 

penSAMENTO DANÇA 300x199 - "sem deixar que teu silêncio morra" - Três poemas de Igor Fagundes

Do livro pensamento dançaeditora Penalux

 

 

 

de corpo inteiro o pensamento
Para cessar de vez
a mentirosa independência
e arrogância da cabeça
frente à escória
de teu baixo ventre
é necessário que descubras
no dedo do pé
o dédalo
de tua mente
Enquanto a unha das questões
não resultar em ti encravada
intimidade nenhuma se escava
e desgasta os tendões de tua fábrica
de dúvidas
A teorização é uma prática de escuta
de algum pelo que eriça
ou cresce inflamado
para dentro
a engravidar-te de pústula
a fim de depois
abortar seu rebento
É de um amor extremo o pensamento
por honrar a luz
do breu que vai crescendo
como pérola na ostra
das mãos, da bacia, das coxas
da casacorpo
meio casca de cebola
com janela aberta
em cada poro e pela boca

sem deixar que teu silêncio morra
numa ideia fixa em masmorra
Tu nem pensas no teu dente agora
mas se acaso dói
logo e por um tempo te demoras
na cárie nova do que te pergunta
e embora crônica a ausência
da resposta
é sempre aguda
a procura de uma lógica
fosse o existir
uma crônica doença
que teria cura apenas
se pudesses porventura
não sentir
em hora alguma

 

 

pronome pessoal do caso feminino
dançar
não por uma alegria
magra
endurecida
sobre o quadril
dançar
a ferida
velada
cuja boca em mordaça
por ora se abriu
dançar
não para esquecer
no dorso
o amor espancado
pelo cônjuge
dançar
para que haja
um porquê
a sorte
de um quando
e um para onde

 

 

gabarito
não é
o rombo
do sol
dentro do azul espreguiçado
na linha torta
do horizonte
nem o rumor
de vento no ventre
das conchas
nem na franja das ondas
o fogo transparente
lavrado
em tochas
de águas vivas
não é
o ronco
do silêncio
na cama dos monges
nem o carma nem o mantra
sapiente dos budas
nem o sexo secreto e aurático
dos magos
ou o pecado perdoado
dos frades nos conventos
consentindo curras
ao rés dos sacramentos
e não é
nas romeiras a volúpia
das ruas respondendo
ao lamento de seus lenços
com um orgasmo
de rezas e culpas

não é
a coreografia
recatada dos terços
na ponta dos dedos
e em torno dos punhos
cerrados para abrir
em credos e crismas os rumos
não é
o bailado simétrico
dos astros
nenhum gesto profético
sobre o linóleo
das estrelas
onde giram
planetas estrábicos
supondo em vão acendê-las
não é
a régua, o esquadro, o compasso
a medir o raio
de vida
na Láctea Via
de alma excedida
na falta
de base e barreiras
não é
o ensaio de um ópio
da lógica
e também
não é
o caos exclusivo
sobre a ópera

perfeita do mundo
tampouco o labirinto
da morte
desviado ao assobio
de um nascituro
não é
o ovo primeiro
nem o que veio em segundo
depois da galinha
não é
o galo insone
às quatro da matina
ao longe
nos chamando
à dádiva do dia
Deus às vezes é
a dúvida incisiva
ou a absoluta fé
em toda pergunta
que se exclama
e se extravia
em eco ou na surdina
sem haver a substância
de uma sílaba
a sangrar
numa prova discursiva
o seu enigma
Deus
não é
nenhuma
das respostas acima

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