“A estrela da vida inteira ilumina só parte do caminho” -Três poemas de Ricardo Nonato

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Epifania

Para o amigo e poeta Antonio Ailton

A estrela da vida inteira ilumina só parte do caminho
E a cada esquina transborda algo dos dias
Além do tédio de quem espera o retorno.

A poltrona do ônibus tem o cheiro
De viagens que não fiz.
Enquanto abro um livro escorre já perto
O liquido viscoso de um pensamento abortado.
Alguém escuta Pablo num rádio de pilha
Mas o pedido de perdão é silenciado
Amor Amor Amor, pode o abandono ter outro nome?

Uma estrada quente feito pensamento apressado
Um motorista de aluguel com contas para pagar.
Dele estou separado apenas por uma porta
Também pelos anos.
Ele poderia ser um filho perdido.

É fim de ano
Do esperado bolo sem velas.
E no fechar dos olhos
Já escolhi a melhor fatia.

Na bagagem tenho alguns livros
E quatro presentes mal embrulhados.
Este é o enredo que me prende

O mundo é maior para quem viaja.
E agora vejo
As bailarinas da infância
Diante do infante
Esperando o primeiro passo
Na última parada.

A Estrela da vida inteira pode ser
O que esqueci de visitar.

 

 

Eternidade

Um dia empalharei meus pais
Os colocarei sentados na nossa casa
Para lembrar o sorriso de mãe ao fim da tarde
O sol desenhando os contornos de sua boca
De pai puxando os fios da rede
Como quem tece pensamentos distantes
Transparentes no silêncio
De seus olhos cheios de pó.

Um dia empalharei meus pais
Estufarei seus corpos com serragem fina
E os colocarei no centro dos meus dias.

Guardarei para sempre o cheiro do rio
Dos peixes também empalhados
E o aroma quente do bolo de mãe
Ali, fixado para sempre
Nas paredes da memória.

Então,
Empalharei a mim mesma.

 

 

Destino

Hoje é o dia das coisas esquecidas
Dos gestos inacabados.

Por esta porta entrou o medo
Não sei se posso encarar o inesperado
O cheiro de minha amada viajou.

Tão perto é chegar
Rever nas fotos o primeiro encontro
As breves formas do desejo.

Tão breve é partir
Ver os anos envelhecendo à espera
E a cortina de retalhos
Já havia sido lavada.

 

 

Ricardo Nonato entende-se como baiano. Publicou Cântico de Quitéria em 2015 pelo selo Cartonero Pé de Letra e tem guardado na manga o livro Beleza Oculta. Edita o fanzine Círculo Poético de Xique-Xique desde 2011. Em 2016 criou o selo de arte Casa de Vento, através do qual publicou a segunda edição do seu primeiro livro.

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