Petrificante
Pensou que um carro era uma cápsula e que toda ideia de compartimento não era parecida com o espaço interior do carro que o identificava como um autor móvel de sua própria motricidade.
E que por estar talvez protegido do meio circulante, o voo podia ser mais projetivo ao além. Saía à noite sozinho no carro, e beirando a calçada ia observando o movimento notívago do seres noturnos. Quem o via por fora, através de um foco pedestre, achava, que procurava uma puta, ou um traficante. Ali naquele ponto do bairro, o escorrer da roda era vista como uma forma de busca por prazer ou voyeurismo. Era preciso sair desta posição confortável de motorista; de um louco motor perpétuo de acento circunspecto.
Um monte de pessoas fumando pedras ali numa loja; um pet shop mundo cão. O nome da loja já vinha com a indexação do nicho do ramo, como uma metáfora do lugar. Ele desceu o vidro, e observou uma disputa pela pedra; disputa dura que ali se houvesse uma arma branca, ele seria uma testemunha de um homicídio. Quanto tá a pedra? Perguntou. Com entrada é mais caro. Tem converte artístico? Os compartimentos são mínimos, mas dá para entrar e fazer um bom(cal). De quanto é a cabine? O homem chegou na janela e sorriu. Saiu de casa, largou a esposa e veio se empedrar, Para fora do carro!!! Não discuto com gente que dá uma de motorista! Aqui!!! Berrou é o cimento! Porra! a brita, o piche, merda! a gente se droga moço! para agulhar-se. Resiliência – você neste seu carro bom, sabe que é ver TUDO 24 horas por dia? Ele desceu do carro, e se aproximou do grupo. Estavam lambendo a pedra e parecia que um pó saia da matéria empedrada para o contato das salivas. Olhos dês meios loucos transitavam entre a pedra e o estranho que se aproximava. Atire a primeira pedra. Era uma voz que vinha de cima. Da janela da loja da pet shop mundo cão. Atire a segunda, mas antes pergunte se a primeira já feriu. Ele chegou mais perto e viu uma clareza na pedra. Era por demais cristalina. O senhor tem amantes? A voz da janela, agora, inquiria sua vida íntima. Achou que ali havia um problema semântico. Como alguém? um grupo de moradores de rua podia comer uma pedra preciosa? Tomavam aquilo: um valor estético e monetário para algo nutritivo e repositor. Lambiam a pedra, passando-a de mão em mão como num ritual litúrgico.
Fernando Andrade, 50 anos, é jornalista, poeta, e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria , e Enclave ( poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018, o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie pela Editora Penalux.
Adorei!
Obrigado! Gilberto, Abraços!