las abuelitas se convierten en mariposas
vovó me disse que é 48% indígena
os outros 52 são adivinhações
do tempo que ela queria fugir com o circo
ou ser jogadora de vôlei
com seus míseros um
y cinquenta e dois
a idade que sua mãe morreu
trazendo o coração na boca
e com ele as borboletas
as almas das abuelitas
vovó não é tão boa como nos filmes
seu sarcasmo exacerbado
sua pulsão quase vingativa
e um olhar de quem vê de cima
nunca tive medo de vovó
do seu narcisismo pueril
em dizer “vê que ainda me paqueram?”
a graça dessas miudezas
de passar o tempo
no colo tão pequenino
na contramão de uma galé
com mil remadores
amontoados em sua cama
de princesa retirante de subúrbio
lembro de nós caminhando
em qualquer estradinha
do interior de qualquer cidade
sem pressa ou temor do fim do mundo
uma cumplicidade besta de amigas
que dividem a cerveja
y o pôr do sol vermelho
feito aquele inverno em Belém
em que choviam todos os dias
o açaí pintando meu dentes
negros os meus cabelos suados na nuca
e vovó ali
indicando o caminho de Monte Alegre do Pará
onde brincava à beira-rio
esperando os homens voltarem do seringal
ela rasgaria com ímpetos de revolução possível
o uniforme do colégio de freiras
em que as freiras queriam ser marinheiras
e os marinheiros desejavam muito que elas os fossem
aceitando todos – com sofreguidão – o destino
tatuado nas linhas das mãos de vovó
que não fugiu com o circo
tampouco graduou-se em Geografia
– ela,
que apenas coseu vestidos
limpou escadas
y temperou banquetes muito pobres
de um centro espírita em Bento Ribeiro
:::
estou dobrando as roupas enquanto você dorme tão bonito
estou contando todos os espaços entre as tuas pintas
todo o vazio que sobra
as cores que te caem bem
os tons amadeirados
macios
colibris aqui não me beijam
há uma festa no horizonte
esse bairro silencioso
parece morto
cubículo de nós duas
irá naufragar
largadas na beira da cama japonesa
quero deixar você se estabelecer
fazer um lar
as roupas já estão na mochila
12:15
você tem os lábios mais verdadeiros
grudados no meu baixo ventre
opto por descer as escadas
dar tempo pro corpo chorar
sem que o porteiro
seja testemunha
da minha covardia impune
você acordando sozinha
teus olhos escorrendo
inundando minhas roupas
na mochila
:::
provei 01 decaf love
e até curti
mas, no boteco da esquina, reencontrei a cafeína
vê-se pela minha pupila
what kind of love satisfy my soul
Ana Beatriz Domingues – Carioca desterrada, é artista-educadora e terapeuta holística. Publicou trabalhos nas Revistas Garupa, Raimundo e jornal O Casulo. Edita a página “Algo deu errado”, fruto do Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) da Casa das Rosas/SP . Suas pesquisas mais recentes envolvem Sonhos e Ancestralidade. “Atlântida”, seu primeiro livro, será lançado em 2019.
Que lindo pedaço de alma nos presenteia em suas linhas! Que nesse puzzel da existencia, todos os seus “pedaços” expressem essa beleza que voce tras e inspira!
beijo em seu coraçao.
ps. Que foto!!