Tem-se o início (a linha de um conto), de Fernando Andrade

 

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Tem-se o início (a linha de um conto)

 

Um homem esperava na linha. Dois dias atrás, havia ligado para Ana naquela linha de telefone.

 Falava por linhas de baixo frequência. Antes mesmo de ligar tinha andado numa linha de bom  de comportamento exemplar de quem quer continuar por aí. Estava na cozinha, com a linha do bolo crescendo na fôrma.

Ela não me deu bolo! Os dois tinham ido à praia. Ela alinhou a canga na areia e disse a ele não te amo mais! Depois de 20 minutos, eles se despediram. Ele pegou a linha de ônibus 111 ( linha para lugar nehum) e foi para casa. Parou na farmácia e comprou um remédio e leu a bula linha por linha. Provavelmente para acalmar as linhas de seus pensamentos que estavam meio nubladas e sujeitas à trovoadas.

Foi para casa e resolveu revisar seu romance linha por linha até a 132 da terceira página. “Estou com 34 anos! Viu nas linhas da mão, os traços da sua idade. Foi no banheiro e viu as linhas de seu rosto como as linhas dos fremes da TV.  Pensou, estou lunático! Avaliou a possibilidade de alinhamento de dois planetas se colidirem: Seria Júpiter e Terra? Saiu aterrorizado e foi para a primeira estação de trem. Segundo Italo Calvino, lá os personagens vão quando bate o desespero. Se um viajante numa noite de inverno.

Parece a transição da ação, em ponto de agonia, com a esperança de algum destino trançado: “Paisagem na neblina” e “Trem noturno”. Saí pela linha de trem afora, tentando não pensar naquele conto do David Means, onde um personagem anda pela linha férrea até ser espancado por um grupo de desordeiros, drogados.

 

 

 

Fernando Andrade, 50 anos, é jornalista, poeta, e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria , e Enclave ( poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Está lançando esta semana o quarto livro de poemas, a perpetuação da espécie pela Editora Penalux.

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