Três poemas de Pollyanna Furtado

polly3 300x286 - Três poemas de Pollyanna Furtado

 

 

 

SOLILÓQUIO COM A MORTE

I
Ah, um dia me sentei
sobre uma pedra enorme
e esperei a morte para ter com ela
palavras maduras:
uma prosa das profundezas.

MEU coração em apuros,
ouviu a voz de cristal
É a Morte, disse COMIGO,
Quero falar contigo
e caminhar pelas tardes
segurando sua mão austera.

Morte MINHA, de onde vens?
Te espero desde menina.
Só agora que tu vens!?

A Morte muda
não responde,
fria é sua presença.

Tenho te buscado há tanto tempo,
somente agora sei:
estás COMIGO desde o nascimento.

 

II
Te encontro dentro de uma fruta partida
que não se come
porque amarga e corrompida
no vermelho oblongo
de carne esquecida.

Te encontro num sonho ruim
dentro da noite líquida
da sombra úmida do pântano íntimo,
de uma antiga angústia,
sempre revivida.

Te encontro às vezes nos olhos do amado
que encaro de repente
distraída.

Tu estás no negro vítreo das pupilas
porque oculta dentro da vida
e ME arrancas suspiros
como amante devotado.

Te encontro no vértice das horas,
nos dias e na sucessão de eventos,
nos limites e no ouro das conquistas,
num sol antes do declínio,
se entregando a noite espessa.

Poema inédito

 

 

ROSA DE SOMBRA

No vermelho da sombra,
esconde-se uma rosa azul.
Rosa precária e triste,
sem pétalas nem odor.

Aquela mancha fria,
dissolvida ao pé da porta,
de talos inacabados
e é sombra, coisa morta.

Eu vi uma rosa rude
se fechar na boca da noite.
Sem ressoar de sinos.
Rosa venosa de Vênus,
venenosa.

Matéria lendária de sonho,
um vulto apenas na manhã.
Nem um pássaro quis beijá-la.
A rosa se desfez.

Do livro À sombra do iluminado

 

 

ILHAS ÍNTIMAS

A ilharga marca o núcleo do arquipélago
que abrange territórios de seios, antebraços.
Da extensão da coxa ao quadril,
quase uma formação peninsular.
Entre baias de mamas, mamilos.
Enseadas insinuam os traços da anca.
Nas águas gélidas de um mar, ao norte,
uma mulher então submersa
dorme o sono de outras Eras.
Ela sonha que um gigante,
um dia desperto,
irá acordá-la do sono mineral.
Por ora, seu semblante de Vênus
adorna sereno regiões abissais.

Do livro À sombra do iluminado

 

 

 

POLLYANNA FURTADO (1981) é paranaense radicada no Amazonas. Professora de Língua Portuguesa e Literatura na rede pública de ensino e Mestra em Letras – Estudos Literários pela UFAM. Publicou os livros de poemas Fractais e À margem da luz (edição independente, 2007), Simetria do caos (7Letras, 2011), Rosa de Sombra (independente, 2013) e À sombra do iluminado (7Letras, 2017). Outros textos estão disponíveis em: https://pollyannafurtado.blogspot.com.br/ e https://pollyannafurtado.wixsite.com/pollypoeta

 

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial