Caixa de Pandora
Abandonei o cigarro
e a construção de um mundo novo.
Vejo em Itapetininga
a chuva reconstruir minha saudade.
Caem na madrugada a gota e a gota e a gota
sobre o meu desejo
e na noite ouço carros
existirem entre a água e o asfalto.
Com passos.
A rua Virgílio está no vazio.
Razão e número cumprem matematicamente
o caminho da navegação.
Amanhã em São Paulo
o vento da noite
vai me entristecer.
Equação possível
de rodovias que são a distância,
carrego no ventre minha proteção feminina de coragem.
Hoje, o vento
entre os cabelos, cachos,
argumentei junto à terra
de olhos fechados
meu tronco expandido.
A garoa sobre a jaqueira
em cada beira
de ramo,
eira de folha e cidade,
a garoa molha o único
sentimento que ficou
espantado de ficar.
Meu idílio é o cigarro.
Estou na neblina um acontecimento.
Não percebeste o riso estridente?
Não se captura o curupira…
Armadilha de tua fantasia,
Essa vida longa e feliz.
Boa sorte.
In: Tensão Superficial da Poesia. Editora Penalux, 2016
Proteção materna
Igrejinhas me comovem.
Um ponto de agulha,
a borboleta da janela antiga,
pequenos ovos de lagartixa
num buraquinho do reboque caído,
o dia de perdido azul de um domingo distante,
depois da missa,
o avesso da calça de veludo,
a brandura do gesto
num tempo de rendas
debaixo dos santos.
A vela sempre acesa da dor
e as pessoas se indo
nos funerais.
As pessoas dizendo adeus.
Eu, deitado, à sombra
da árvore que me concebeu.
In: Meu Campo. Editora Penalux, 2017.
Só um desejo
Cubro o rosto
e a noite se fecha.
Em sinal de luto,
altero a simples navegação
dos ponteiros,
atraso o tempo
e sinto um ódio morno,
são fantasmas que pairam
à porta das constelações.
Cumprimento as pessoas da manhã
e reconheço nelas
o esfacelamento da naturalidade,
os nervos quentes pra felicidade,
as estéticas pra felicidade,
as estéticas de arte e de não morrer.
Sou quieto.
Eu queria morar
nesses lugares
onde o frio é intenso
e a aurora boreal existe.
Fiori Esaú Ferrari nasceu em Itapetininga. De lá nasceu a vontade de escrever. Tem 47 anos. Hoje é professor de Língua Portuguesa pela Uneafro e pela Prefeitura de São Paulo. Publicou dois livros de poemas. Tensão Superficial da Poesia em 2016 e Meu Campo em 2017. Ambos por meio da Editora Penalux.
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