Três poemas de Tomaz Amorim Izabel

 

nuc 300x170 - Três poemas de Tomaz Amorim Izabel

 

 

 

um livro

um livro – alguém no Mali, de uma biblioteca
a ser destruída em pouco mais de três séculos
escreve desolado sobre o medo do mundo para seus filhos
sobre o preço do grão, sobre a má qualidade da música
sobre a estupidez da família real, sobre a miséria dos pobres
sobre a miséria das raças e
me dirigindo estas palavras
ele se desespera um pouco mais, ainda, percebendo-se
de repente
parte de uma linhagem de pessoas que escrevem cartas ao futuro
se perguntando, esperando, que as coisas estejam aí melhores
das cadeiras de plástico quântico em que vocês, pequenos estudantes
tentam entender como os índios deste tempo pensavam o mundo
e como é possível que vivessem em tempos tão adversos
ignorantes das tragédias e das alegrias globais na porta
e já visíveis em tantos sinais.

 

 

 

Pixies

estou tentando virar fã de Pixies
sabe como é, lamber os pêlos
dar uma ajeitada nas unhas das patas
besuntar a cabeleira como não faz Carla Diacov
palavras como esferas na minha mão
malabarista de farol esperando menos moedas
que a carona de uma protagonista de cachos num filme indie
road movie em que toque boate azul e façamos amor
com o capô aberto nos bancos de trás do opala
na beira de uma rodovia, na beira de uma cachoeira
de onde nos espiam rindo, por entre galhos molhados
curumins sorridentes que ignoram a existência do
Pixies e que são ignorados pelos Pixies
engraçado ser bolas no ar, canção, filme e
e peixe na ponta da flecha de meninas

 

 

 

Quando as bombas tiverem caído

Quando as bombas tiverem caído
e as marés tiverem subido
quando não houver mais telas
cassetes, colunas
quando o descanso for reencontrar
com as costas no mato
outras constelações no céu
– Constelação de porta-aviões,
constelação lata de ração,
quando mesmo as pupilas igualarem
o azul do céu
e se nunca mais ouvir seu nome doce
ainda assim falar, recitar
lembrar e compor com a boca
canções sobre nossos erros e perdas
e também promessas

 

 

 

Tomaz Amorim Izabel é poeta e crítico de cultura. Tem 30 anos, é de Poá, cidade da grande São Paulo, e está concluindo o doutorado em Teoria Literária na USP.

 

 

 

 

 

 

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