Três poemas de Marco Aqueiva

 

Max Ernst The entire city 1934 1 300x245 - Três poemas de Marco Aqueiva

The Entire City 1934 Max Ernst 1891-1976 Purchased with assistance from the Knapping Fund 1941 http://www.tate.org.uk/art/work/N05289

 

 

 

 

DE O CINZA VERSOS O AZUL (PATUÁ, 2012)

OBRIGATÓRIO conservar os olhos
junto ao corpo
(só o corpo está coberto pelo seguro obrigatório)

 

Todo olhos e sem onde pousá-los
protegê-los dos ventos ácidos
do deserto do enxofre e dos fósforos
da poeira dos manuscritos das paixões
da perfeita ilusão regente da bondade
 
Esfregar os olhos exige
uso dos dedos, de toda a mão e,
a prolongar-se o incômodo,
fixar sob espécie de obscura
necessidade um ritmo eficaz
para romper a blindagem
dos reflexos pelo prazer

 

Já agredir os olhos com violência
obriga-nos ao desprezo pelas lentes
de contato, ao ciúme inconfessável
dos anjos da morte, e a um cérebro
revestido a aço rompendo o vão
entre o olho e o irrestrito tato
 
É obrigatório esfregar excrementos
nos indecisos olhos, arranhados e ainda doces,
para levá-los então ao outro lado

 

 

 

DE O AZUL VERSUS O CINZA (PATUÁ, 2012)

há um pouco de chão e fumaça
que nossa desencontrada memória
faz ouvir germinar e falar mas não
se arranca deste pé de pedra

há mesmo um pouco de profecia
de relógio d’água que ruínas não
juntam que nosso estilhaçado
coração sente pulsar alto o espírito

lá dentro no interior da pedra
há até um pouco de freio na fome
de juventude abafada que nossos
dentes ainda armados de força
e badaladas não repõem violentos
nas sete auroras da pedra
que chamávamos mesa

 

 

 

“BEIRAS E ASAS JUNTO AO BAR MONTECARLO”, DE GERMES ENTRE DIAS BRANCOS (PATUÁ, 2016)

A Eduardo Lacerda

Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Os sonhos já nascem nos limites.
Porque fazemos coisas.
Sei que talvez devêssemos deixar
os arredores darem sinais
crescerem com suas sirenas
ainda que em silêncio os telhados
abstratos de um mundo
que bem pouco quer ouvir
o corpo dentro do tempo

Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Dorme o tempo
daqueles que estão presentes
entre reflexos e ecos
colhendo o cercado das fomes
ideias que subsistem fora de nós
um sentido que mal se poderia
ver e ouvir dentro do tempo

Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Os castelos estão suspensos
entre a cerração e o medo
a chuva espessa e a história
vistos de frente na cerração espessa
vistos dos fundos no pesadelo
adormecidos em algum lugar
amanhecendo em algum tempo

Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Para poder vê-los os castelos contraluz
seguirmos seus rastros imprevistos

Sempre prontos a se refazerem
: só assim prontos para habitar
 

 

 

Marco Aqueiva é poeta e ficcionista. Organizou a coletânea de contos 1917-2017: O século sem fim (Patuá, 2017). Integra o coletivo Quatati, dedicado à criação e divulgação literária. Email: marco.aqueiva@gmail.com.

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