Três poemas de Miguel Almeida

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No meu tempo

No meu tempo era a rua,
A melhor escola das crianças,
Porque era na rua que se viam
Mestres e artífices,
Entregues aos seus ofícios,
Homens valentes,
Donos
E senhores de si,
Mas também loucos,
Bêbados e vagabundos.
No meu tempo era a rua,
E na minha rua,
Uma criança via de tudo,
E com tudo aprendia e crescia,
Rasgos de inteligência ou sorte,
Histórias de valentia ou cobardia,
Actos heroicos, de drama
Comédia ou tragédia,
De fazer inveja
Às mais belas
E empolgantes,
Peças de teatro antigas;
No meu tempo era a rua,
E era certo que uma criança
Que tudo visse
E com tudo aprendesse,
Na minha rua,
Haveria de crescer,
Para ser alguém na vida,
Ou então, esmorecia e entristecia
Por não poder ficar para sempre criança,
A ver tudo, o que havia para viver na vida
A aprender e a desaprender com quase tudo,
O que havia para lembrar ou esquecer na vida.

Miguel Almeida, SobreViver, Esfera do Caos, 2013, p. 101/2

 

 

Ser Poeta

Eu quero tudo,
A luz do Sol,
O brilho da lua,
E o manto das estrelas,
À noite, no seu lugar
A cintilar;
Eu quero tudo,
O verde viçoso das ervas,
As árvores despidas
E as folhas mortas,
Libertas, no ar
A esvoaçar.
Eu quero tudo,
A jovialidade dos anos,
Sem idade, o seu poder
Mais ao saber e à paz,
Dentro de mim,
A dominar.
Eu quero tudo,
Eu quero mesmo tudo,
Eu quero que a vida seja só,
Uma imensa Primavera, a passar
Porque esse é o querer do poeta,
Querer,
Querer só,
Apenas querer,
Querer, que em tudo
Haja agora só Primavera,
Uma Primavera, que se dá na vida
Com tudo sempre, apenas só, a desabrochar.

O Lugar das Coisas, Esfera do Caos, 2012, p. 49.

 

 

 

Eu preciso de ti, meu amor

Meu doce amor
É a ti que me declaro
Porque eu preciso de ti.

Para poder vencer o vazio
Das minhas horas sem tempo,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder passar pela ausência
De sentido de todos os meus dias,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder estar em companhia
Na mudança de todas as estações,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder suportar a dureza
Soberana de todos os meus anos,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder atravessar o deserto
Mais ermo que existe no mundo,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder caminhar feliz
E confiante no dorso da vida,
Eu preciso de ti, meu amor.

Para poder existir e viver
Eu preciso, sempre
De ti, amor.

 

 

 

Miguel Almeida  é escritor e poeta português, nasceu em Rãs, distrito de Viseu, em 1970.  Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde também concluiu  o Mestrado em Filosofia , exerce o magistério em Almada.

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This Article Has 1 Comment
  1. Miguel Almeida Reply

    Muito obrigado, Jean Narciso Bispo Moura. É um gosto e um privilégio ver estes meus três poemas na Revista Literatura & Fechadura. Espero que sejam do agrado dos leitores da Revista.
    Grande Abraço, Jean.

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