Três poemas de L. Rafael Nolli

 

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Paraíso

 

1

muito além das plantações de agrotóxicos

esquecido depois da derradeira ponte

 

do último homem que por ali passou

não resta o menor vestígio

 

o que ele viu – há tantos anos atrás –

é o mesmo que um satélite vê agora

da imensidão do cosmo

 

nenhum dos dois sequer suspeitou

 

2

onde hoje a árvore produz sombra

o prédio da prefeitura se erguerá

 

o rio prateado pelo sol escorrerá

sinistro & pesado, dentro de uma galeria

 

pouco depois da colina

um sinal de trânsito determinará o fluxo

para o que agora é vale & vento

 

3

sobre esse chão as pessoas

conhecerão fome & sede

e lutarão até as últimas forças

 

onde hoje prospera a grama miúda

a estátua de um boçal apontará o dedo

para a imensidão do espaço sideral

 

15/08/15

 

 

Manda que estas pedras se tornem em pães

 

1

a mulher vestida com farrapos

gritava “acuda!” “acuda!”

enquanto dois cães

prestes a atacá-la

ladravam ferozmente

se movimentando em círculos

como se tivessem uma estratégia

& não fossem uma pilha de nervos

guiados pela fome

 

2

o pão em sua mão

dormido de tantos e tantos dias

desatando a fúria da matilha:

as pombas no fio

– prevendo as migalhas –

esperavam a hora de agir

 

3

“Acuda!” “Acuda!” a mendiga gritava

já completamente dominada:

as costas de encontro com a parede

um cão agarrado à barra da saia

outro, babando de raiva, rouco

cobrindo a retaguarda

 

Mas ninguém acudia:

suas vidas não dependiam

daquele pedaço de pão

 

embolorado

 

 

“Que são os homens, comparados com rochedos e montanhas?”

 

  1. Arquimedes

 

os homens da prefeitura

não são nada diante da rocha

que desceu a encosta

e sem nenhum aviso

estrangulou o trânsito

 

como seria óbvio

– Arquimedes o atesta –

tentaram removê-la com uma alavanca &

um ponto de apoio

e nada conseguiram

 

de longe os curiosos erguiam a cabeça

como no zoo ou nas rinhas de galo

 

  1. dividir & conquistar

 

mesmo esses outros homens

com sua especialização

“transporte

& manuseio de material explosivo”

nada são diante da rocha

 

conseguirão, por fim,

além de um estrondo

dividirem-na em dois

e só

 

– Pobre dos cães!

comenta uma senhora

tapando os ouvidos

 

  1. em minhas retinas tão fatigadas

 

o carro pego de surpresa

“no lugar errado / na hora errada”

– Ainda não se sabe se há passageiros!

segundo a jornalista

 

sublime a indiferença da montanha

fazendo sombra sobre a cena

 

 

 

 

 

 

L. Rafael Nolli nasceu em Araxá, MG, no ano de 1980. Formado em Letras e Geografia. Publicou Memórias à Beira de um Estopim (JAR, 2005), Elefante (Coletivo Anfisbena, 2013), Gertrude Sabe Tudo (Gulliver, 2016) e Ao Pé da Letra (Independente,2017).

rafaelnolli.blogspot.com

nolli@boll.com

Twitter: @nollirafael

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This Article Has 1 Comment
  1. Deli Reply

    Poemas de Nolli nos chama para reflexão. Nos faz pensar em exploração humana e mineral.

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