Fernando Andrade entrevista o escritor Theodor Sanviaski sobre o livro ‘Um grito neuro-divergente’

Theodor Sanviaski - Fernando Andrade entrevista o escritor Theodor Sanviaski sobre o livro 'Um grito neuro-divergente'
 
 
 
 
Fernando Andrade: Este seu livro está longe de ser um autoficção pelos menos no seu começo, e não há um limite de gênero a defini-lo. Como você o rotularia?

Theodor Sanviaski: O livro em pauta é separado em três partes: inicia-se com um texto ensaístico, seguido de uma seção poética, e finalmente encerra-se com um conto ficcional. Interessante revelar que um dos primeiros pensamentos com que me surpreendi ao finalizá-lo foi, justamente, de como poderia descrevê-lo ou encaixá-lo em algum gênero específico. Confesso que não consegui chegar a uma conclusão satisfatória a respeito. Talvez, ele seja propositalmente de difícil rotulagem — pois é o mesmo que ocorre com os neurodivergentes em geral.
Entretanto, a despeito de suas partes parecerem — numa avaliação inicial menos rigorosa — separadas e independentes entre si, isso está longe de ser verdade. Há um fio condutor seguido ao longo de todo o livro: a exploração, em detalhes, de uma experiência particular (autobiográfica, em muitos momentos), que certamente poderá ressoar de modo íntimo com potenciais leitores que se identifiquem com essa mesma condição.
Por fim, tentando responder especificamente à pergunta: pessoalmente, rotularia o livro como uma proposta artística de traduzir em literatura um pouco da visão caleidoscópica do mundo experimentada pelo indivíduo com neurodivergência.

Fernando Andrade: Há uma infinidade de citações e referências a autores e ficção. Como você trabalha estas referências? Comente.

Theodor Sanviaski: Esse é meu primeiro trabalho literário verdadeiramente dedicado e aprofundado. Posso arriscar dizer que vinha, durante muito tempo, lendo livros diversos — particularmente, de literatura, filosofia e sociologia — com muita atenção e afinco, numa espécie de busca por um melhor entendimento do mundo e de mim mesmo. Cheguei a um momento particular em que somente minhas atividades habituais e rotineiras não estavam sendo suficientes para me preencher, estimular e satisfazer. Tornei-me ávido por tentar compreender melhor o mistério abissal que nos cerca, procurando nessas referências chegar até os limites do que a inteligência e o raciocínio humanos nos permitem ir. No livro, utilizo muitas dessas referências como base e ponto de partida para questionamentos e fabulações próprios.

Fernando Andrade: Porque escolheu um alter ego para escrever, qual a função dele para seu trabalho. Comente.

Theodor Sanviaski: A escolha de um alter ego se dá por um motivo muito simples: em minha concepção — e veja que aqui se trata de uma visão estritamente pessoal, sem pretensão de crítica — a única coisa que verdadeiramente importa a respeito de alguém que se propõe a escrever é o conteúdo de sua escrita. Há o próprio fato de eu prezar por minha privacidade e anonimato, sendo um indivíduo com características marcantes de TEA nível 1. Mas a questão vai muito além. Particularmente, penso que devo me expressar exclusivamente através daquilo que escrevo. Tudo o que tenho de valor a oferecer aos outros é o que já está lá, nos meus textos. Não vejo nada mais em mim que possa ter relevância, interesse ou utilidade para as outras pessoas, de modo que o homem oculto por trás do escritor (essa é minha convicção) só poderia chegar atribuir para causar “confusão”, “contaminar” ou “distorcer” a visão de alguém a respeito do autor e, especialmente, de sua obra.

Fernando Andrade: Explique para seu leitor o que é um neuro-divergente com relação ao seu projeto literário. Comente.

Theodor Sanviaski: Um neurodivergente é um indivíduo que — devido ao desenvolvimento e modelamento do sistema nervoso fora do padrão considerado “normal” — apresenta uma experiência sensorial e cognitiva diversa da grande maioria das pessoas, ditas “neurotípicas”. As condições mais conhecidas que se enquadram na classificação são TDAH, autismo, dislexia, síndrome de Tourette e superdotação.
Logicamente, o mundo é desafiador para qualquer ser humano, uma vez que é repleto de injustiça, desilusão, dor e sofrimento. Mas é comum que os neurodivergentes sintam tudo isso de modo ainda mais pronunciado que a média da população. As estatísticas de distúrbios mentais e suicídio são significamente maiores nesse grupo do que nos neurotípicos. Meu projeto foca no neuro-divergente pois, sendo um (e tendo descoberto muito tardiamente a condição), sempre senti na própria pele — e em silêncio — a sua sensação (muitas vezes) brutal de inadequação, isolamento e incompreensão. Tento agora — e desejo verdadeiramente — de algum modo ajudar; mostrar que não se está sozinho e há quem se importe. Se meu livro atingir um único leitor que seja, me sentiria recompensado sabendo que pude fazer uma diferença, ainda que mínima, na vida de alguém que também se sente assim.

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial