Fernando Andrade – O idealismo da casa faz sonhar desejos bons. Mas há dor, raiva, luto, afetos que fazer uma casa meio ambivalente. Comente.
Myriam Scotti.: De fato, somos levados a crer que casa, lar, são sempre sinônimos de alegria, de memórias doces e afáveis. No entanto, é na casa onde muitas vezes passamos nossos piores momentos, embora tentemos esconder isso até de nós mesmos. As memórias da infância, ao longo do tempo, vão se tornando turvas e, às vezes, confusas. Talvez por isso queiramos que sejam apenas boas, mas é justamente lá na infância onde moram os traumas, os medos. É na casa da nossa infância onde nos construímos e justamente por isso nem tudo pode ser bom. Crescer dói e na vida adulta continuamos a nos transformar e essas mudanças também acontecem na casa, durante a noite, quando também somos atormentados por pesadelos e temores, só que mais reais. Onde mais podemos chorar nossas dores e perdas, senão em casa?
Fernando Andrade – Você fala muito do pensamento, das coisas não ditas. A verbalização das dores o que nos torna mais humanos. Como trabalhou a linguagem para ter tantas nuances.
Myriam Scotti.: Foram necessárias muitas idas e vindas no texto e na memória para que as nuances fossem sendo construídas nesses versos. É um processo que envolve paciência e coragem para enfrentar as recordações nem sempre felizes quando se quer escrever destemidamente.
Fernando Andrade – No primeiro poema que me afetou muito há uma intensidade de afetos fortes palavras intensas. Como pensou este poema?
Myriam Scotti.: Meu processo para escrever poesia envolve muito a emoção. Às vezes, da leitura de um texto ou da escuta de uma música, a inspiração acontece e corro para o papel para permitir que as palavras venham, mesmo que desordenadas, porque depois sei o quanto ainda trabalharei para que aquele poema vá para um livro. Já dizia João Cabral “só trabalho em ferro forjado.”
Fernando Andrade – A felicidade seria uma total ruína para sua autenticidade. Comente.
Myriam Scotti.: Ao contrário, preciso de momentos de calmaria e aconchego para dar conta do meu fazer literário que me exige entrar em ebulição. Não conseguiria sobreviver em altas temperaturas diariamente. Gosto da minha rotina familiar, de ficar em casa, ler meus livros, escrever, encontrar as amigas para um café. Isso é o que me abastece para que eu vá para o computador e reflita, rememore para escrever uma obra.
Embora muitos autores tenham precisado se entorpecer ou se sentir miseráveis para escrever, para mim, funciona ao contrário, preciso estar sã, nadando em águas calmas para que o caos surja apenas na escrita.
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