Alexandre Marino nasceu em Passos (MG) e vive em Brasília, depois de viver um período em Belo Horizonte, onde se formou em jornalismo. Terra Sangria (Editora Penalux, SP, 2022) é seu oitavo livro de poemas. Antes dele, publicou: Hiatos (Editora Patuá, SP, 2017); Exília (Dobra Editorial, SP, 2013); Poemas por amor (Varanda, DF, 2007, edição fora do comércio); Arqueolhar (LGE/Varanda, DF, 2005); O Delírio dos Búzios (Varanda, DF, 1999), Todas as tempestades (1981) e Os operários da palavra (1979). Com Exília, ganhou a Bolsa Funarte de Criação Literária em 2008. Em Brasília foi repórter nas redações de O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense e Jornal do Brasil, entre outros.
Na internet, mantém vários sites em que seu trabalho pode ser conhecido, e que podem ser acessados por este link: https://linktr.ee/alexandremarino
Quando se tem lados opostos a espécie humana tende à estupidez. Isto se deve a forma binária que o homem tem de agir neste planeta terra, criando espaços de poder e controle sobre os outros. Seu livro de poemas parece referencializar estas questões. Fale disso.
Alexandre Marino: A criação de Terra Sangria, meu oitavo livro, ocorreu de forma completamente diversa da dos demais livros. Todos eles, especialmente a partir do terceiro, foram criados a partir de um projeto, que desse unidade ao livro, mas agora, pela primeira vez, eu tive a nítida sensação de que escrever aqueles poemas era a única forma de me salvar de alguma coisa. E a primeira ideia que me vem, ao recordar aquele estado de tensão que vivi nesses quatro anos, é essa: a da estupidez. Não quero falar sobre o que significou viver quatro anos sob um governo fascista, porque o livro não trata disso. O livro não faz referência a governo, a situações pontuais. No entanto, faço algumas homenagens no livro, como o poema As guerras, que é um lamento pela morte do congolês Moïse Kabagambe, assassinado há um ano no Rio de Janeiro por motivo banal, um exemplo do grau de estupidez que este país atingiu. Também há uma homenagem a uma tribo indígena que se extinguiu, com a morte de seu último representante, e um lamento à Amazônia, que nossa estupidez também levará em breve à extinção. Os poemas do livro abordam esse clima de desolação, de impotência, de desunião e incompreensão generalizada diante do caos em que vivemos e continuaremos vivendo. Os poemas de Terra Sangria foram escritos nesse estado de sufocamento gerado por a essa busca do poder a todo custo.
Fernando Andrade: Controlar a pulsão de morte a escrita tem este poder de trabalhá-la ainda mais se vemos ou criamos a poesia. Comente.
Alexandre Marino: A poesia é uma pulsão de vida. Foi meu instrumento para me defender do ambiente caótico ao redor. Enquanto eu escrevia o livro eu dizia que a minha poesia não tinha a intenção de levar esperança a ninguém, porque eu não tinha esperança. Tive muitas noites de insônia, que felizmente transformei em poesia. Mas o livro ficou pronto, os poemas vieram como um jorro, e percebi que eles eram para mim a única saída. Eles representaram a esperança que eu não encontrava em lugar algum. E como a poesia não se encerra na escrita, ela permanece pulsão de vida com a interação do leitor, espero que meus poemas sejam lidos. É revelador que tanto Maria Valéria Rezende quanto Mariana Ianelli, que fizeram os textos de apresentação do livro, falaram sobre esperança. Até aquele momento eu não via sinais de esperança no livro.
Fernando Andrade: Nos seus poemas temos uma voz narrativa com certo diálogo com a história e a sociologia. Como se deve estas interações no seu trabalho.
Alexandre Marino: A minha poesia tem algumas características que venho desenvolvendo ao longo dos anos, escrevendo, lendo e refletindo sobre a linguagem que eu buscava e que pretendo seguir construindo. Escrever poesia para mim sempre foi uma tentativa de aprofundamento, de pensar sobre questões que me incomodam. E essas questões tratam da espécie humana. Acho que depois de seis décadas de vida eu ainda não cheguei a uma conclusão sobre o que é essa espécie humana, que constrói maravilhas, como as artes, a música, a própria poesia, e ao mesmo tempo é tão radicalmente destruidora. O ser humano criou as ciências para compreender o universo e a si mesmo, mas não encontra as respostas que procura – nem na História, nem na Sociologia, nem na Psicologia, nem nas religiões. Mas podemos buscá-las também na literatura, ou especificamente na poesia.
Fernando Andrade: Como você trabalha a ideia de sociedade ideal ou utópica dentro de um sociedade agressiva e totalmente capitalista, como a nossa.
Alexandre Marino: A poesia é uma atividade absolutamente livre. Ela me permite refletir e lançar meu grito por um mundo ideal e utópico. Como poeta, sou um homem livre. Aqui também a poesia me salva. Eu vivo dentro de uma sociedade egoísta e predadora, e o capitalismo impõe suas regras macabras sobre nossa vida social, mas eu me sinto à vontade para desafinar o coro dos contentes, como disse Torquato Neto. Minha poesia mira um horizonte utópico – aliás, o horizonte é sempre uma utopia, não? – e é feita em essência de perguntas, com que procuro incomodar os acomodados. A poesia me permite, como poeta e como leitor, observar o mundo por um outro ponto de vista, que vá além dos limites da mesquinharia e do egoísmo.
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