José Fontenele entrevista o escritor Fernando Andrade

INTERSTÍCIOS FERNANDO ANDRADE - José Fontenele entrevista o escritor Fernando Andrade

Fernando Andrade, poeta, crítico, leitor veterano, publica seu novo livro de poemas “Interstícios”, pela Editora Penalux. Dialogando com a Ciência, Filosofia e Música, a obra é plena de significados e jogos melódicos de palavras, pois como explica o poeta, para ele, “a ideia já nasce dançando”. Abaixo uma entrevista com o autor onde ele conta mais sobre sua obra e processo de escrita.

 

J.F.: Nos seus livros há muita musicalidade, e em “Interstícios” essa inclinação fica mais evidente desde a capa. Para você, o poeta saiu da página e agora se encontra entre os sons da língua? Como a sua poesia se nutre dessa musicalidade?

F. A: Acho que persigo a canção, aqui num formato sem melodia. Sou apaixonado por música e um fiel admirador da relação inseparável da letra e melodia. Penso muito nos meus poemas nesta interna sensibilidade para ouvidos melódicos, quando começo a digitar ou botar a lapiseira à caminho das letras \ palavras \ frases que pra mim tocam seus próprios instrumentos, ou uma percussão do D ou um A lírica. Eu digo sempre que minha ideia já nasce dançando. É uma intrínseca relação entre a filosofia de um tema ou de seu coletivo com a parte gráfica que é sonora para burro. Quis falar dos temas como ficção, sexo, num livro de poemas, e como os paradoxos ajudam na música. Arte de botar ritmos, dissonantes.

J.F.: Logo no primeiro texto de “Interstícios”, uma cobra chamada “Ser” diz que “Aquilo que abro pela boca / É de fato uma poética.”, o que cria uma mitologia particular para a poesia presente na obra. Como foi o seu processo criativo para a composição e seleção de poemas deste livro?

F.A.: Estes poemas, acho que 10 deles, foram feitos para o Coletivo Caneta Lente e Pincel onde a palavra é juntada com uma imagem e seu suporte tanto de uma pintura ou uma foto. Portanto, são imagens visuais e sonoras que criam parcerias com uma semiologia imagética. Este poema que você cita na pergunta 4, foi feito no coletivo. Acho que esta frase é um pouco uma brincadeira lúdica que faço para dizer que o conto da Serpente, por sua simbologia e grafismo cultural com inúmeros arquétipos, são uma forma estética de lirismo, mesmo que esteja num formato de prosa. E o conto continua no livro, nos poemas; eles se interconectam com cada poema, que parecem mesmo um mosaico ou quebra-cabeças, como diz o amigo Alexandre Brandão na apresentação. O livro é pequeno, mas ele é infinito enquanto possibilidade de discussão-discurso dos seus cernes narrativos, da sua estética unindo saberes e artes. A ideia de eterno retorno ou talvez da espiral, não é só uma prática no tema-trabalho, também uma ligação formalista entre gêneros que muita gente se diz incompatível. Mas do jeito que trabalho, analisando as formas internas destas relações, talvez não cause tanta rejeição.

J.F.: Além da Música, em “Interstícios” há um diálogo com outras áreas do pensamento, notadamente Sociologia, Filosofia e também (o que pode surpreender muitos) Matemática. O que há na Ciência que fascina a sua poesia? Por quê?

F.A.: Eu uso a Ciência mais como um pensamento para refletir o formalismo. Ou então núcleos engessados de uma ortodoxia. A ciência nos meus livros dialogam com a parte sensitiva das coisas, como uma melodia. Dá para explicar uma melodia? Talvez eu esteja escondidamente criticando as ideologias estanques onde o pensamento não se cria como uma cobra se devorando. É quebrar o binarismo da própria arte de produzir dados. E para isso, uma das minhas incursões é o erro, não o crasso, o erro lúdico.

J.F.: No seu poema “Modernismo sem camisas de força”, lemos: “Um homem mental / Com sua camisa de força / Amordaçado no que não tem / De mais tranquilo: a linguagem”. Outros poemas seus também perpassam pela construção de uma forma de linguagem sem amarras, onde as palavras podem ter um propósito poético, popular e pueril. Assim, quais os pontos positivos e negativos de tanta liberdade poética?

F.A.: Este poema tem uma citação escondida que respondo aqui. Faço uma referência ao escritor suíço Robert Walser, que foi amigo de Kafka, dentro de uma linhagem literária, claro. Ele tinha toda uma impotência da celebridade literária. Era introvertido, não sabia se promover socialmente. Fez livros lindos. Esta noção de ser na neve branca com o papel, caminhar na neve, por isso minha quarta capa é o poema ficção à mão, mas é tão intenso nos sentimentos quanto pegadas deixadas no fundo do ser. Por falar em pueril – ele tem um livro sobre infância.

J.F.: Além de poeta, você também é um crítico de mão cheia que escreve sobre prosa e poesia em diversos sites literários. Como essa análise de outros autores enriquece o seu estilo?

F.A.: É um trabalho de colagem – textos são hipertextos, copiamos e colamos, estéticas, referências, citações. Acho que meu trabalho cada vez mais é de um leitor. Um leitor que se apropria de um universo que poeticamente também é seu. Há uma fraternidade entre alguns que escrevem. São afecções que passam por um espírito inconsciente \ coletivo, fazendo da escrita uma linhagem que perpetua a literatura pelos séculos.

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