Jessica Stori vive em Curitiba, tem 26 anos e é mestra em História pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisa literatura escrita por mulheres na intersecção entre memória, decolonialidade e crítica literária feminista. Integra a Membrana, coletivo de escritores/as e faz colagens manuais. carne e colapso, seu livro de estreia, foi publicado recentemente pela Editora Urutau. Os dois primeiros poemas aqui publicados são do seu livro e o último é inédito.
felina contra extinção
Suelen arrancou da carne
suas patas fizeram trilha
caminho de gata selvagem
do gesto início
desandou
a gata insatisfeita
comeu quem matava seu instinto
fortaleceu as entranhas
o sangue e o descaso
no silêncio do inimigo
hoje ela encara
no meio do mato
decide se vai
ver toda casca como possibilidade
como meio termo do tempo que põe a escolha
arrancar ou não
ver ser ferida que nunca sara
ver ser dor
sem saber se pode jorrar ou deixar risco
resíduo de tragédia
memória de unha pedaço de pele
corpo que acaba outro
dúvida possível
um gesto início
as patas fazem o trabalho do adeus
não perguntam
automáticas vão
empurram
enterram
salvam
fechou os olhos
tirou a casca
toda cicatriz traz um novo registro de como contar o tempo
íntima natureza
eu acho que me falta um afeto que não tem nome
nem lugar, nem hora
não há corpo que supere, que sinta
nem braços que abracem, que envolvam
é um afeto de mundo que falta em mim
uma ausência horizontal no ocidente que sou
estou aqui por pura coincidência
me penso lá, em outro lugar, em outra vida, em outra condição
não saberia quem sou agora
mas sei que lá também não haveria afeto em mim
lá é também o lugar onde estou
correndo no escuro
comendo restos e hóstias
tomando o sangue azul que sai pela uretra
e não há prazer que retire a maldade
há maledicência e troca de rubor
dentro
por fora estamos todos correndo
e por todo esse tanto de mundo que há mim
repito que a ausência que pesa não é minha
é do mundo
*
quero te ver chegar com danos
pra eu cuidar das suas questões
mecânica com o passe
aperto a chave
ajusto sua angústia à minha
e me arregaço da tua confusão
com um beijo na nuca
no final com sopro digo
venha com a discórdia
duvida do meu caráter
desmoralizada, uma desgraçada
cheia de amor
e você só vai cantar
abusou
tirou partido de mim
abusou
quero ver teu espírito tropeçar
o corpo já não acompanha
seja aquele que vai contra
vai, se joga e me pede um pulo
quero te sacrificar pelo meu sorriso
tua pele precisa estranhar o exagero
arrepia, erra erra e gosta
por que eu depois de tanto tempo?
eu nem sabia que te quero
e você só vai dizer
taí, eu fiz tudo pra você gostar
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