Espaço (s) e Tempo(s): uma leitura sobre raça (s) em Lisboa, por Amosse Mucavele

 

 

por Amosse Mucavele

 

Algo chamou-me atenção em Lisboa, algo que nunca foi importante observar nas ocasiões passadas, digo Lisboa  como casa da memória Colonial, um espaço de reencontros étnicos-raciais, pese ainda a (in)diferença social por debaixo da glória dos descobrimentos, narrativa sempre contada na primeira pessoa do singular.

Sempre olhei com desconfiança certos epítetos a que são anunciados uns ( a minoria) pelos outros (a maioria), sempre duvidei o silenciamento institucional dos portugueses afrodescendentes (estes somente o desporto lhes dá asas para o seu reconhecimento e consequentemente exaltação como portugueses) ou dos africanos residentes em Portugal, em diversas áreas, seja na educação, ciência e cultura. Este cenário já em sim, revela alguma mancha histórica, que se ressignifica na balança do tempo, revisitado por discursos de exclusão pelo tom da pele.

Ademais, é importante lembrar que um país se reconstrói pela diversidade multicultural e é de facto, um dos muitos e dos mais importantes valores universais, hoje e agora fragmentado pelo traço inconsciente do questionamento “duvidoso” do outro pelas suas origens.

Será que Portugal tem medo dos seus filhos? Custa seguir um teste de escolha múltipla para o exame da sua sociedade?

Porventura com excepção dos escritores luso-descendentes divulgados em Portugal com todo o aparato institucional, um gesto de cunho memorialista/saudosista, alguém conhece alguns intelectuais/professores universitários/ escritores negros portugueses? Ou se existem levanta-se sempre a naturalidade dos seus progenitores (português de origem moçambicana, filho de pais guineenses, etc.).

A descrição da sociedade portuguesa, é um minúsculo inventário das cores, a primeira superior, dona das ideias e segunda a inferior sempre redimensionada pela "esquecida" linha de Sintra, é claro que, a linha de Sintra na voz dos primeiros literalmente significa lugar dos excluídos/ marginalizados. O que fica depois no exercício da liberdade de cada um tomar o seu espaço? É aí onde quero-me ater nas pequenas circunstâncias para delimitar o espaço a ocupar pelos tais “excluídos”.

Para melhor atender o significado etimológico da linha de Sintra, fui lá visitar a Amadora epicentro da comunidade africana e Portuguesa afrodescendente e Couva da Moura, famoso “bairro problemático”, ghetizado pelos seus residentes, alcandorados nas ilhas de auto-exclusão, Ilhéus que a prior não tem identidade muito menos nacionalidade, apenas naturalidade, cidadãos do mundo? Cidadãos portugueses? Cidadãos cabo verdeanos?

Esta autoghetização dos portugueses afrodescendentes não é só pela mão das políticas de exclusão é uma herança “descasada”com actualidade, significa, que a narrativa do espaço derrubado, sempre afirmada com convicção pelos seus antepassados, que de geração em geração, tem mostrado a dificuldade de criar novos caminhos da história e a emergência de saltar etapas históricas para fazer delas um renovado canto de aprendizagens.

Neste sentido, podemos afirmar que a comunidade portuguesa afrodescendente,tenta a todo custo, crioulizar o discurso, como forma de resistência ao opressor, facto que concorre para o aprisionamento do espaço e do tempo, legitimando assim a divisão entre “eles”, “outros” e “nós”; traduzível no abandono que se quer tradição. Ao considerar a coligação de vários factores sejam eles económicos ou sociais, chega-se a conclusão de que esta decadência de uma comunidade despovoada do seu próprio país, parece, em todo caso, uma luta no escuro, com todo o despreparo possível, que tanto os primeiros com todas as dificuldades, na sua maioria analfabetos quanto a quinta ou sexta geração nascida em Portugal ou portugueses com todo o “abandono” institucional para celebrar as liberdades escusadas aos seus antepassados, estes portugueses afrodescendentes simplesmente arriscam a sua participação, renovando o discurso da colonização. Consequentemente, a escolha fundamental do crioulo como língua oficial, renegando quase por completo a língua portuguesa, em total consonância com o abandono escolar repartem-se entre a delinquência, drogas e abandono escolar. Considerando que o mesmo não acontece com os africanos residentes em Portugal, estes com todas as dificuldades, na sua maioria conseguem fazer ecoar a sua voz, não é por acaso, que quando estes rompem as fronteiras da academia, a sua constante luta é em prol destes portugueses afrodescendentes desarmados num mundo de contraditórios.

 

 

Amosse Mucavele nasceu em 1987 em Maputo, poeta e jornalista cultural, coordenador do projecto de divulgação literária “Esculpindo a Palavra com a Língua”, foi chefe da redacção de “Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona”, curador da Feira do Livro de Maputo (2016 e 2017), director editorial do Jornal O Telégrafo, Editor Chefe do Jornal Cultural
Debate, Editor de Cultura no Jornal Expresso Moz, colaborador do Jornal Cultura de Angola e Palavra Comum da Galiza – Espanha.

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