Livro de poemas Nervura tece cartilagens entre vãos do corpo e o sentido articulado (ação)
por Fernando Andrade
O médico chegou para o poeta que vinha na consulta sobre estilo de prosódia. Qual seria a voz deste poeta que consulta? Aquilo que o reconheceria como em todos os extratos ósseos do esqueleto do livro como um todo. O livro fica em pé na prateleira da livraria.
Toda voz começa no tutano.
É preciso ter muita cartilagem (talvez o médico quisesse lhe dizer coragem) para manter (a forma) em pé. A cartilagem, continua o especialista, em postura, é que dá liga aos movimentos entre os versos, continuidade entre estrofes, ritmo ao escopo. Infelizmente não enxergamos os ossos e nem muito menos a carne, pois tudo está obcecado pela pele, esta maldita (fita isolante). Ironia médica.
O paciente olha o doutor em metáforas (ele cuida do dentro) justo agora que ele estava com livro pronto prestes a mandar para uma editora. Ele vai para casa e pensa muito no que o especialista lhe diz.
A cartilagem é o recheio, o subtexto do personagem. Pensa nos maiores dramaturgos de todos os tempos, o corpo do ator tanto quanto o personagem era espaçado pela medula da criação, pelo viés do sangue frêmito, uma espécie de fúria maquínica do ser.
“A carne é escrita” de acordo com a sua têmpera, macia ou dura, leve ou áspera. Aqui penso que o espaço do corpo da mancha tipográfica dos poemas do poeta Carlos Orfeu em seu belo livro Nervura, pela editora Patuá, põe em pé a fixidez do exoesqueleto dos tendões que ligam tanto o aspecto semântico do livro encorpado, pois Carlos tensiona toda uma relação da carne e osso, como o seu entorno, aqui diria que estamos no domínio da vida, enquanto corpo angular, combativo para adensar os limites do existir? – palavra quase desconexa com o corpo físico. Matéria é tempo.
Erra-se em pensar que o poeta fala por imagens sob o (an)verso das ruínas, da fragilidade dos laços, pelo contrário! Braços-tendões e matérias além das artérias são o que nutre a massa, o tal recheio onde procuramos ao ler atentos espaços vazios, vácuos-vãos, um deslizamento de sentidos pela parede da pele-página.
Há um formigamento na sua pele poema. Como milhares de formigas sociais procurando a trilha do buraco onde elipses sombreamentos da linguagem fazem-se de escond(i)erijo-leitor.
A cartilagem seria o aparato social do poema? Pergunta o poeta depois da consulta ao especialista.
Cotação: Excelente
Jogo poético ( Nuno fez posfácio do Carlos Orfeu)
Cartilagens
Mallarmargens
Fernando Andrade – escritor, poeta, parecerista, jornalista e crítico de literatura. Autor de 4 livros, o mais recente “Perpetuação da espécie” [Penalux, 2018]
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