Fernando Andrade – Você mistura intimidade com prosa mineira, nos seus versos, o resultado é declamante! Como uma voz no teatro num intenso monólogo poético. Fale um pouco da sua obra.
Giovana Galvão – Inteira Partida é, antes de tudo, um convite. Um convite às pessoas que amam a se despirem para o amor, sem a vergonha que geralmente acompanha a nudez nessa sociedade onde o afeto é sinônimo de abnegação e dor. Não podemos negar a dificuldade em amar nesse mundo falido, mas o que podemos fazer com isso?
O amor de forma ampla, não apenas o romântico, mas o amor às cidades, às culturas, às amizades, aos laços.
Fernando Andrade – Há um caldo contracultural movendo referências, a cultura mineira, a poesia oral e musical. Como é seu método de trabalho para sair nesta costura até meio beatnik? Comente.
Giovana Galvão – Sair um pouco das caixinhas, onde crescemos e nos formamos. Acho que há nas mulheres, em geral, um potencial para reinventar o que já existe e inventar o que ainda não existe. É o que precisamos para uma justiça amorosa. E para isso acontecer, de fato, precisamos transformar tudo a nossa volta, não apenas os sentimentos, mas as condições materiais em que eles se desenvolvem.
Isso porque quase nada do que está aí nos serve. A observação do sentir das mulheres, incluindo a mim mesma, me fez chegar a esses versos. Cada poema foi escrito, a partir dessa observação-participante, seja ela mais ativa, ou passivamente.
Fernando Andrade – O amor é prosa mas a poesia tende ao encontro erótico. Nos seus poemas esta afirmação parece caber. Comente.
Giovana Galvão – O amor nos conta histórias; o Eros as preenche do que não é contado, assim como a poesia. O erotismo, como nos ensina Audre Lorde, está muito além da sexualidade. A poesia é espaço aberto para que possa submergir o inconsciente, tudo aquilo não dito; e, por isso, é capaz de acessar lugares escondidos ou reprimidos dentro de nós. O erótico também. Ao escrever livremente sobre o amor, o Eros aparece quase intuitivamente, porque me interessa um amor ainda inventado e a criatividade precisa ser alimentada pelo erotismo.
Fernando Andrade – Muita gente fala que o Eu não se deveria colocar num ato poético, porque poderia parecer muito biográfico. O que você acha?
Giovana Galvão – Acho que a reflexão passa por um paradoxo: apesar de sermos seres únicos em nossas vivências e formas de sentir, somos também seres coletivos, o que significa precisarmos de identificação para nossa auto determinação e nosso autorreconhecimento. Então, quando estamos falando de nós, falamos também de um sujeito histórico, sobretudo, quando escolho destacar vivências e sentimentos de um lugar específico que também me constrói: o de mulher bissexual.
Não se trata de falar por todas nós, porque um ato poético não tem isso como objetivo, nem poderia fazê-lo, porque somos diversas e minha vivência é limitada por estruturas dadas nesse mundo cruel, que às vezes me beneficia, às vezes me destrói.
Trata-se de permitir uma identificação a partir de experiências comuns. E não falo apenas sobre o que é dito/escrito, mas, sobretudo, sobre o que não é. A poesia permite isso. Ela está, mais do que na palavra, no espaço entre um verso e outro, entre uma estrofe e outra. No respiro. Se uma poesia não é capaz de fazer a leitora parar e criar a partir de si própria, não sei que sentido teria.
Então, se nos despimos de pretensões universalizantes sobre nosso “ser no mundo”, nos afastamos da mera (auto)biografia e construímos um Eu-lírico que, apesar de Eu – sem, contudo, esquecermos dele- é também Nós.
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