Fernando Andrade entrevista o poeta Antônio Norte Filho sobre o livro ‘Templo de nuvens’

Antonio Norte Filho - Fernando Andrade entrevista o poeta Antônio Norte Filho sobre o livro 'Templo de nuvens'
 
 
 
 

FA: Tua poesia é feita de dualidades poéticas como tristeza e esperança, o bom e o mal, espírito e carne. Fale um pouco sobre isso. 

ANF: Sim, minha poesia é, de fato, construída sobre dualidades, porque acredito que é através desses encontros e desencontros que a vida pulsa com mais intensidade. Escrevo entre extremos porque é nesse intervalo, entre a tristeza e a esperança, o bem e o mal, o espírito e a carne, que moram os conflitos mais humanos, portanto, mais verdadeiros.

A poesia, para mim, não é uma resposta, mas uma travessia. Ela não nega a dor, mas também não recusa a luz. A palavra poética precisa tocar as sombras para reconhecer a claridade. Por isso, meus versos caminham nesses contrastes: eles oscilam, colidem, se abraçam. No fundo, acho que escrevo para tentar entender a contradição de existir, e é nesse entrelaçar de opostos que vou dando sentido à existência de tudo e asas à minha voz pensante.

FA: A sua linguagem é extremamente burilada, com uma estética até um pouco barroca. Como constrói os poemas através desta estética. Comente. 

ANF: A estética burilada da minha poesia nasce do cuidado com a palavra, da escuta quase artesanal que faço do ritmo, da imagem, da tensão interna do verso um tanto musicado. Gosto do excesso controlado, das curvas da linguagem, da metáfora que se desdobra como espelho diante de outro espelho.

Essa aproximação com o barroco não é proposital no início, mas, aos poucos, percebi que a construção do poema, para mim, é como talhar uma escultura, ou seja, exige camadas, relevo, sombra e luz.

Há uma busca constante por densidade estética, por musicalidade, por um ornamento que não seja mero adorno, mas parte essencial do sentido. Talvez seja por isso que minhas palavras caminham nesse limiar entre o peso e a beleza, como se cada poema fosse uma catedral feita de verbo, tensão e silêncio. Assim sigo.

FA: Há um momento de religare no livro, como se a religião estivesse aflorada nas camadas mais internas da obra. Comente. 

ANF: Sem dúvida, há a percepção de religare na obra, não no sentido institucional da religião, mas como um gesto íntimo de reconexão com o mistério, com a origem, com o sagrado que pulsa dentro de todas as coisas.

A espiritualidade na obra emerge quase como uma brisa indelével, atravessando os versos, insinuando-se nas entrelinhas.

Não busquei falar expressamente de Deus, mas talvez tenha deixado que Ele falasse por entre as palavras, no silêncio, na dúvida, na beleza que não se explica. A poesia, para mim, é essa ponte entre o finito e o eterno. Escrever é uma forma de oração, de escuta e de entrega.

É nesse sentido que o livro se abre como um espaço de retorno à essência, à fé intuitiva, à centelha que nos lembra que há algo maior do que nós fazendo morada nos versos da vida.

FA: Poesia e Contemplação são características próximas uma da outra. No seu livro noto estes aspectos em comum. Comente.

ANF: Sim, acredito que poesia e contemplação caminham juntas e de mãos dadas. Ambas exigem pausa, presença e um olhar atento para o que, à primeira vista, pode parecer insignificante.

No meu livro, esse movimento contemplativo está muito presente, é como se o poema não nascesse da pressa, mas do silêncio entre as coisas.

Contemplar é ver além da forma, é escutar o tempo do mundo com os ouvidos da alma e assim, a poesia se torna um instrumento que ornamenta a percepção, para tocar o invisível.

Ao escrever, busco mergulhar nesse estado de escuta e entrega. Talvez seja por isso que os leitores sintam esse ritmo mais interno, quase meditativo, que atravessa os versos como um rio subterrâneo. A contemplação, para mim, é a raiz da linguagem poética, pois é dela que brota o olhar que transforma o cotidiano em revelação e tudo se completa.

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