Tomás Prado | escritor e pesquisador
A começar pelo título “Obras são fonemas”, recordei-me de um período em que cursei Letras, antes de optar pela formação em filosofia. Nas aulas de linguística, havia uma apostila que dizia: “fonemas são unidades mínimas distinguidoras de significados”; e “morfemas são unidades mínimas constituidoras de significados”. O título sugere que obras são unidades mínimas distinguidoras de significados. Nesse sentido, o tamanho da obra sozinho não importa. Tudo depende do seu tamanho relativo ao significado que ela busca provocar e explorar, sobretudo considerando a ideia de que ninguém faz nada sozinho. Tudo é um pequeno acréscimo ou desvio de algo já feito e herdado.
Toda a discussão sobre semiótica, morfemas e linguagem vem bem a calhar, embora, confesso, não tenha me detido com tanto interesse nas abordagens do prefácio. Gostei muito mais de reencontrar, no seu trabalho, esse estilo bastante próprio que você desenvolveu para uma poética ensaística, que, nessa obra, revela talvez mais profundidade ficcional (ou autoficcional?!).
Se me permite a associação não reducionista, mas expansiva, seu trabalho me lembrou bastante um livro de Foucault sobre Raymond Roussel. Ele ocupa, aliás, um lugar central na minha tese de doutorado, publicada pela Perspectiva e pela PUC-Rio. Se não te parecer muito presunçoso de minha parte, eu recomendaria a leitura, não apenas de minha tese, mas sobretudo do livro de Foucault. Em todo caso, ele analisa muito bem os “procedimentos” de Roussel, e creio que em grande medida eles convergem com os seus. Na aparente aleatoriedade daqueles pequenos poemas, que em seu caso são pequenos contos, as afinidades fonéticas encaminham um sentido estranho às narrativas do cotidiano alimentadas de referências bastante eruditas — como eu já havia observado na minha leitura de “Cânticos para enlouquecer Cristo”. É muito interessante que esse elemento linguístico se interponha entre esses extremos para, a partir de um dispositivo de ajuste mínimo, produzir ou revelar um grande resultado inesperado. Com isso, você realiza de maneira bastante engenhosa uma ponte entre linguística e literatura.
Partindo do conceito de tropo, que Foucault utiliza para pensar a obra de Roussel, é possível perceber que esse dispositivo linguístico, também presente no seu trabalho, é tão rico que, embora aparentemente simples — como “prosas minimalistas, você diz na dedicatória —, coloca-se nas fronteiras não apenas entre linguística e literatura, prosa e poesia, cânone e cotidiano, como também entre Letra e vida, essas unidades mínimas constituidoras de significado. Fronteira, aliás, é um termo relevante para todas essas reflexões… espaciais!
Enfim, muito poderia ser dito partindo de tão pouco (?!). Perdoe-me não transcrever as passagens que embasam esta leitura, mas creio ser o bastante para indicar o quanto nos entendemos e o quanto esse seu novo trabalho sobre a linguagem do espaço me interessou. Cabe, aliás, um elogio à sagacidade da ilustradora.
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