Texto de Caio Garrido – Psicanalista e escritor
A geometria, os pontos vírgulas, os fonemas, morfemas (ou como queiram chamar), a linguagem, de forma geral, sempre fizeram parte da obra completa de Fernando Andrade. Isso é algo ainda a ser investigado. Mas o que salta aos olhos, da página do livro para o cristalino, é que nesse trabalho com a linguagem para falar da própria linguagem, consegue poeticamente acessar os meandros, torções, buracos-negros de todo um vasto universo, até mesmo o próprio universo, que como ele diz, “é pura abstração da mente”. Da brincadeira com a linguagem, vai nascendo da sua escrita coisas sérias e importantes, concepções sobre a vida, e uma nova cosmovisão. Surgem formas de filosofar, onde o espaço para se escrever na página concreta se torna por metáfora a própria vida. Isso que eu coloco aqui, e tento dizer, é muito difícil transmitir em palavras, mas quando lemos com calma o que ele diz em textos como o “Ensaio ficcional sobre a geometria do espaço” – presente neste presente que é esse livro novo dele (“Obras são fonemas”) – conseguimos entender. Através da poesia temos um vislumbre daquilo que a ciência dura nunca ira conceber por si só. A literatura pede a experimentação, assim como seria por exemplo tomarmos um psicodélico e termos uma experiência extra sensorial e não-ordinária de consciência. Ou seja, não adianta falar, conceituar sobre ter estas experiências. É necessário vivê-las. Alguns enigmas são postos propositadamente pelo autor, como em “Linguagem do Crime”, em que escreve: “Não há crime se o corpo desaparecer por falta de linguagem”. Isso diz muito! Com pouco. Mas só revela sua identidade e conexões quando articulados às linhas seguintes do mesmo texto, como quando belamente em linhas seguintes coloca: “Há solidão se o corpo se perde dentro de um bosque, onde a ausência é tanta que o corpo esquece de falar, não há outro, não há ninguém”. O que é ficção, o que é realidade? Na própria “realidade”… Tema antigo, mas que sempre pode ser novamente proposto, revitalizado e repensado. Na “vida no breu”, verso presente em um de seus textos-poemas é que encontramos o sonho, a verdade da vida, na “cordilheira”, viajando “pelos Andes”. Em sua “semiótica aplicada”, nos fingimos de estátua, e de esconde em esconde, em vilarejos da nossa alma, brindamos com a poesia de Fernando, como se estivéssemos em roda, num “playing, jogo” (como ele fala). O amor cabe na cabeça ou no coração? A linha que não é reta, afinal, deixa de ser reta? Reta tem de estar ereta? E se for uma seta? Ou asceta, que não precisa de par para fazer festa? O fato é que precisamos uns dos outros para verdadeiramente existir. Como ele diz: ”O círculo fechado tem seu espaço ou núcleo como a célula, com material vivo […] as piadas possuem risadas em círculos”. Concreta ou abstratamente, sua gramática é exata. O homem é um ser de fala; e que escuta. Concreta ou abstratamente. Para isso, a geometria do espaço será sempre em círculos, em rodas, um espaço coletivo de troca.
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