A galinha Irene | Daniella Freitas

daniella freitas jornalista - A galinha Irene | Daniella Freitas

Daniella Freitas é jornalista e contista do Recife

 

A dona da pousada tinha uma galinha. O animal surgiu de repente, enquanto tomavam o café da manhã, e circulou tranquilamente entre as mesas. “Essa galinha é tão feliz. É conhecida por toda a vizinhança”, disse a mulher aos hóspedes curiosos.

Ela ouviu as histórias contadas com entusiasmo, e saiu do restaurante encantada pela ave, que parecia ter saído de um livro de Monteiro Lobato.
Nunca tinha pensado em ter um animal de estimação, mas voltou para casa com um desejo: criar uma galinha.

Encontrou na Internet um site de um criatório de galinhas de raça pura. Gostou da inglesa Orpington. A essa altura o animal já tinha até nome escolhido. Seria Irene, como a irmã de Caetano Veloso. Aquela da risada que ele queria voltar a ouvir.

Nas suas pesquisas, ela encontrou também um blog com dicas para criar galinhas em apartamento. Seu desejo era possível! Bastava um pequeno poleiro e um pouco de areia para a ave ciscar. Descobriu, ainda, um local para comprar fraldinhas, assim Irene não sujaria a casa toda.

Um mês depois, o animal chegou, e não teve nenhum problema de adaptação.
A galinha parecia já ter nascido sabendo que era um pet num apartamento. Não dava trabalho. Comia milho e ração.

Mas, se por um lado as questões de ordem prática seguiam conforme o planejado, o mesmo não acontecia em relação à convivência. Isso porque ela queria uma galinha feliz, e Irene era enigmática.

A ave observava a dona o tempo todo, com um olhar que a incomodava.
Parecia querer mostrar toda a sua inteligência, astúcia e autocontrole.

O tempo foi passando, e estar em casa deixou de ser um prazer para ela.
Voltava mais tarde do trabalho, inventava mil coisas para fazer na rua. Passou a evitar a galinha, mas o animal estava sempre à espreita. Na sala, na cozinha, no terraço.

A gota d’água veio num domingo pela manhã. Ela acordou e deu de cara com a ave, no seu quarto, com o olhar fixo nela. Pulou da cama, assustada. Correu para a sala. Irene foi atrás, e ali permaneceu. Observadora e inabalável.

Não era mais possível conviverem sob o mesmo teto. Por isso, já no fim de semana seguinte, ela resolveu colocar em prática a única solução que vislumbrou para um final menos traumático, ou, quem sabe, até feliz para a sua história com aquela galinha.

Dirigiu mais de 100 quilômetros, até chegar à tranquila cidadezinha, onde havia estado há alguns meses. Entregou Irene nas mãos da dona da pousada, dizendo que era um presente. A mulher ficou surpresa, mas agradeceu.

Na manhã seguinte, acordou cedo para pegar o caminho de volta para casa.
Viu a galinha ciscando no terreiro. Irene não notou a sua presença.

Please follow and like us:
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial