Fernando Andrade entrevista o escritor Félix Alberto Lima

Felix Alberto Lima 7 letras - Fernando Andrade entrevista o escritor Félix Alberto Lima

 
 
 
 
 

FERNANDO – O universo encontrado no interior da noz, o poeta move a cinética das referências de forma elegante, compondo um mosaico das memórias utilitárias. Como foi medir este tempo das coisas dentro da palavra poetizada?

FÉLIX – O tempo é uma espécie de régua imperfeita presente na minha poesia. Sem que eu perceba, o tempo vai ditando o ritmo da escrita, a envergadura dos versos, a estação das palavras, a referência a certas coisas e histórias. É o senhor absoluto da composição e às vezes mero aventureiro na forma e no conteúdo. Acho que no final das contas a poesia é uma máquina de moer coisas grandes, complexas. O poeta enxerga o que há dentro do mundo com os olhos na casca. Pode não ver tudo, mas pode imaginar tudo. É essa imaginação, esse delírio, que esboça a teia do poema. Cabe ao poeta espremer a ideia, palavra por palavra, até o limite. E isso pode dar na poesia propriamente dita ou, na pior das hipóteses, num suco ralo desse sedutor exercício literário. Ou seja, esse jogo com palavras seguramente vai servir pra alguma coisa. Gosto da experiência de ser tomado por solavancos da memória, de rolar nesse abismo do passado, do presente e de algo que sequer já houve. É a memória utilitária a que você se refere, sem qualquer vocação para saudosismo.

FERNANDO – Não é tanto um trabalho de escavação dos afetos e objetos do mundo, e sim seu deslize pelo poema, onde paradoxos podem conviver harmonicamente, quando no real parece ser tão contraditório. Fale disso em relação ao livro.

FÉLIX – Quando se vai tecendo uma colcha com diferentes estampas, só ao final de tudo você tem a noção da forma que os retalhos vão ganhar. A minha poesia é quase isso, esse mosaico multicolorido que não está preso a uma linguagem. Não está preso a nada e, por isso mesmo, vai ganhando forma na tessitura. No caso específico desse livro de agora, somente ao compor o último verso me dei conta que o conjunto era um paradoxo imerecido, mas com uma certa coesão. O título do livro, Nas profundezas desses olhos rasos, reverbera contradições humanas, como a própria existência. Quando no poema você acha que está no meio de um remanso, ou nessa escavação de afetos, de repente vem uma palavra ou um verso que precipita uma tempestade, uma aflição, uma reviravolta. O livro não é linear. Há nele menos tradição e mais contradição.

FERNANDO – Formas de gostar de outras ficções de outros objetos da arte parecem girar no seu livro como uma constelação de “idolatria” artística. Vide o xamã, Coltrane. Comente.

FÉLIX – Há no livro um flerte proposital com outras linguagens artísticas. Mas isso já vem de algum tempo, de livros anteriores. A poesia está em conexão permanente com outras artes, como se bebesse deliberadamente em outras fontes. Assim são alguns dos poemas de Nas profundezas desses olhos rasos. Há sutis diálogos com a música, a dança, a literatura de ficção, a pintura, os quadrinhos da Marvel… Há Tarsila e Coltrane, Dylan e Dila, curumins e querubins… Alguns poemas são mais silenciosos, outros ousam contar histórias curtas, pela metade, imprecisas. Esse é o rito do livro.

FERNANDO – Os sentidos parecem fazer parte de seu repertório afetivo. No livro anterior a audição, agora a visão. Comente o quanto é importante a relação dos sentidos com a palavra.

FÉLIX – Eis outro ponto que considero como ação poética involuntária: não houve uma preocupação inicial em trabalhar os sentidos, em dar uma importância estupenda a eles. Claro que os sentidos arrebatam, despertam a atenção. Eles simplesmente foram surgindo no livro anterior, Filarmônica para fones de ouvido, e agora novamente estão presentes nesse novo livro, que abre a janela dos olhos. Alguém até me perguntou outro dia se de repente não vem por aí um terceiro volume para formar uma espécie de trilogia. Quem sabe!? Vou deixar a poesia fluir.
Claro que não posso deixar de reconhecer a importância da relação entre os sentidos e a palavra. Há cumplicidade e nexo. Mas nem sempre há poesia.

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