“o vento envelhece a caligrafia do corpo” – Três poemas de Óscar Fanheiro

 

 

[…]

Escuto o pulsar do sangue nas cordas do papel, o respiro algoz do tédio que se faz vento em ruína. Uma veia de couro (invisível) abraça o (ex)poente da minha solidão – o refulgir de uma voz em decalque, um nevoeiro ardente que deposita a sua ânsia venenosa no rosto da unha; mas os dedos ensaiam o metro para o rouxinol do silêncio no corpo das rosas. Abro o diâmetro da noite, a vértebra do silêncio ao experimentar o c(al)or da métrica no bolso da língua. E dentro de mim uma esponja cobre o sono, o diafragma a rebobinar as tranças de uma sombra vertical onde a palavra é sonho de revolução. 

 

 

[…]

Agora há um dia que se apressa, que segue guiando a idade pelo alto dos joelhos – o vento envelhece a caligrafia do corpo e o silêncio alva a alma com as luminárias que compõe a noite: umas vezes de sentimentos densos e calorosos, outras de sentimentos fracos e frios. Visto os olhos de lembranças para não deixar o abismo engolir a medula em que alojo a infância. O soluço arranha com os dentes o fulgor do silêncio com que olho o horizonte e, as mãos suadas vigiam o ardor com que tento incendiar o tédio sobre o papel virgem, para que do outro lado do palco o fonema candelabre na boca alheia.

 

 

[…]

Tudo continua com o semblante vago de sempre: as sombras sufocam-se pelo reflexo do mar em seus olhares esquivos e epilépticos de roer a franja dos ossos; volto a aurora da manhã com a mesma dor que a alma nunca amanhece, como se o desespero fosse tingir a madrugada com o retinir de um Blues pobre de cálcio. A memória alheia-se do cansaço que tortuosamente abriga na voz a mácula movimentação do medo. Entedia-me esse vaivém que os dias acasalam. Ser vagem deixou de ter o mesmo gosto; e de repente, sinto que ando a morrer para dentro, assim como o mundo vai deixando de ser mundo e o sonho vai deixando de ser futuro.

 

 

 

Óscar Fanheiro nasceu aos 07 de Agosto de 1995, em Maputo, actual capital do país. É estudante de Ciências da Comunicação e de Ciências Sociais e Filosóficas. Em 2018 foi finalista da 3ª edição doPremio Literário UCCLA – Novos Talentos Novas Obras em Língua Portuguesa, com seu (primeiro) livro inédito de Poesias, intitulado A Gramática Da Solidão; em 2016 foi também finalista da 1ª edição do Premio Literário Fim do Caminho, dedicado a modalidade de contos policiais ou criminais. Tem textos publicados em antologias e revistas electrónicas, com especial atenção a 1ª Antologia de Contos Criminais Moçambicanos: O Hamburguer Que Matou Jorge

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This Article Has 1 Comment
  1. Óscar Fanheiro Reply

    Obrigado pela leitura, Rubervan. Não tenho muita coisa publicada. Outrora já fui um pouco apressado e só pensava em escrever para publicar, mas com o tempo vem a maturidade do poeta e do poema, não é isso?
    Será bom trocarmos ideias, qualquer coisa contacte-me pelo meu facebook, uso o mesmo nome com que assino os meus trabalhos.

    Viva a literatura!
    Abraços!!

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